Esses dias estava conversando com uma amiga que passa por um momento delicado em um relacionamento amoroso com um rapaz autista. E disse: “Admiro muito você por não ter desistido. Eu não daria conta”. É que a experiência do amor romântico para autistas costuma ser muito intensa e se desdobrar em camadas de rigidez.
No artigo científico “TEA e Acessibilidade Amorosa”, que escrevi em 2020, questionamos como o amor pode ser um porto seguro para as instabilidades que desestabilizam autistas, se ele também é instável? Esta publicação tem inspiração em aspectos teóricos-metodológicos ligados às Teorias dos Afetos na pesquisa em Comunicação. Dessa forma, dialogo com minha experiência singular com os debates científicos e midiáticos acerca dessa temática.
Com isso, concluímos que as “estratégias” e reflexões apontadas se relacionam muito mais ao percurso de se apaixonar e manter uma relação do que ao sucesso ou fracasso dela nos padrões sociais. Em outras palavras, o que importa é como saímos de cada uma dessas interações e não se o relacionamento foi ou não duradouro, por exemplo. Ou seja, se nos fortalecemos e aprendemos com o outro. Eu aprendi isso após o divórcio do meu pai e da minha mãe.
Um exemplo disso em pessoas neurotípicas é quando, em entrevista à apresentadora Angélica, a atriz Grazi Massafera revela que a busca pelo príncipe encantado lhe rendeu frustrações. “Não existe, mas a gente é humana, encontra parcerias”, ponderou a artista, que é mãe de uma adolescente com o também ator Cauã Reymond. Essa é uma frase com que me identifico muito. Afinal, eu tinha uma visão muito romântica e idealizada do amor, moldada por contos de fadas e comédias românticas.
Isso não quer dizer que eu tenha deixado essa sensação tão gostosa de escape da dureza cotidiana para trás. Na verdade, eu ainda a encontro em meus relacionamentos. Porém, como budista, eu estudo a impermanência da vida. Outro exemplo está no filme Priscilla (2023), de Sofia Coppola. Esta é a história da mulher que teve que abandonar Elvis Presley para viver a própria vida. Ela não deixou de amá-lo por isso. Porém, a experiência prática e o desejo por autonomia a fizeram trilhar outro caminho.
Eu tive dois relacionamentos mais duradouros em minha trajetória. Então, lembro-me da chama do primeiro amor, do turbilhão gostoso de sensações e do desespero total quando não apenas aquilo acabou, como muito do que eu considerava lindo se revelou falso e estratégico. Afinal, nós não olhamos na mesma direção. Assim, quando várias histórias do meu segundo namorado não batiam, eu revivi toda essa dor. Mas, também fui mais hábil ao cortar essa relação.
No fim, algumas falas ditas por amigos reverberam em um cérebro rígido e com tendência ao hiperfoco. Como quando uma amiga me contou: “Aprendi que o que é nosso está guardado”. Hoje, talvez iniciando uma história com o pai de uma linda garotinha autista, aprendi a valorizar muito mais os momentos que passamos juntos. Faço isso em vez de ficar ansiosa se vou me decepcionar, se o relacionamento vai ou não firmar, por exemplo. Não importa. As vivências que estou tendo, por si só, já são enriquecedoras.
Sophia Mendonça é jornalista e escritora. Também, atua como youtuber do canal “Mundo Autista” e é colunista da “Revista Autismo/Canal Autismo“ e do “Portal UAI“. Além disso, é mestre em Comunicação, Territorialidades e Vulnerabilidades (UFMG) e doutoranda em Literatura, Cultura e Tradução (UfPel). Assim, em 2016, tornou-se a pessoa mais jovem a receber o Grande Colar do Mérito em Belo Horizonte. Já em 2019, ganhou o prêmio de Boas Práticas do programa da União Européia Erasmus+.
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