Selma Sueli Silva

Autismo e Mediação Escolar: Experiências Práticas

Victor Mendonça e Selma Sueli Silva

Hoje chegou o dia de a gente ter esta pessoa maravilhosa aqui: Ana Flávia. Ela foi a mediadora do Victor na faculdade e fez muita diferença na vida acadêmica dele. Do que essa psicóloga, pós-graduanda em Neurociências aplicada à Educação, sabe, vocês não têm noção. Vamos contar!

Toda vez que falamos de mediação, vai muito para o lado teórico. Muitas mães recebem a notícia do filho ter mediação como se fosse a pior coisa do mundo, como se fosse atestado da deficiência do filho. É assim, Ana Flávia? A mãe precisa se preocupar com isso?

Ana Flávia Pascotto: Não, porque na verdade a mediação é muito importante nesse processo, não só para o autista, mas para qualquer pessoa com deficiência, pois ela tem impactos muito grandes, seja no ensino básico ou na faculdade, que foi onde eu acompanhei o Victor, que com a mediação podem ser diminuídos. Eu inclusive estou escrevendo um artigo com as experiências que eu tive na faculdade, desde o Victor até meus novos alunos. Estou escrevendo esse artigo para destacar a importância que faz na vida acadêmica do aluno com TEA, especificamente, que é com o que eu trabalho no UNIBH hoje em dia.

Então, as mães não precisam ficar com medo, pois é uma parceria. Eu vou sempre ter uma conversa com esses pais para eles entenderem que nós não estamos fazendo nada em que seu filho seja excluído e diferente, só estamos fazendo algo para ter um ensino equitativo para que ele possa desenvolver tanto quanto o colega dele.

Ana Flávia, você tocou num ponto muito importante, sempre nas palestras perguntam sobre a mediação e falamos que “ela é uma interprete mesmo, como se fosse uma tradutora do mundo, nessa questão da comunicação, inclusive para o aluno ter mais autonomia e interagir melhor com os colegas.” Você pode explicar como funciona isso?

No UniBH, onde eu trabalho e o Victor estudou, a gente trabalha com a questão de o intérprete não estar em sala para ser a “babá” do aluno, que é o que as pessoas pensam. Não. Nós damos um suporte, para ele começar a desenvolver a autonomia nesse primeiro momento. Adaptar por exemplo, para uma prova.

É uma dinâmica de conversa, comunicação e mediação, nessa relação que às vezes o professor não entende muito bem. Mas sempre focamos na autonomia, tanto que, praticamente, nos últimos períodos o Victor nem precisava de mim. Já ia direto ao professor, e isso foi algo construído ao longo do tempo.

Só conseguia isso porque tinha esse processo junto com mediadora. E tem um ponto fantástico em que o educador fala assim: “Como é que me cobram isso, como irei dar conta de tanta coisa, de uma sala cheia de gente e mais determinado aluno…” A mediação existe como parceria. A Ana Flávia não era mediadora do Victor. A Ana Flávia era essa mediadora e facilitadora inclusive do professor para que ele conseguisse extrair o melhor do Victor, porque com mediação ela fornecia instrumentos e suportes para que o Victor estivesse em igualdade para conseguir os mesmos resultados que outras pessoas.

Isso é importante, porque nós utilizados de algumas técnicas e instrumentos, baseados no cognitivo comportamental, que tudo relacionado ao processo de aprendizagem nós usamos dentro dessa teoria, inclusive o ABA. São instrumentos para auxiliar ele naquele momento, isso não quer dizer que ele irá ficar dependente desses instrumentos para sempre, porque é isso, nós criamos autonomia. Então por exemplo, eu organizava os horários do Victor, todo dia eu escrevia o que havia acontecido na aula por exemplo, mas depois de um tempo, ele mesmo conseguia se organizar sozinho.

Quando você começou, não sabia tudo de autismo e não foi um risco para o aluno porque olhou primeiro para indivíduo, foi olhando primeiro minhas características e estudando, procurando essa capacitação. Porque muita gente diz “mas eu não tenho capacitação?”. Como buscar essa capacitação?

Eu quando entrei e comecei a acompanhar o Victor, eu era estagiária e não havia formado ainda em psicologia, e na faculdade é muito raso o que a gente tem e eu fiquei nervosa. Eu lembro que naquela época minha supervisora falou, deixa que ele te guia. E eu fui nesse ponto, vou conhecer o Victor. Eu ignorei mesmo o TEA, eu sabia as coisas básicas, como não chegar abraçando o Victor. Depois que conquistou confiança, a gente abraça e tudo. Victor é um grande amigo meu, virou esse grande amigo na faculdade mesmo. Tanto que eu quase chorei na colação de grau dele gente.

Isso é a importância do intérprete em sala de aula, porque é escolha do aluno, ele pode falar que não quer, e existe muito isso porque uma pessoa do seu lado, com um crachá, claro que o aluno pensa que irão olhar para ele de maneira diferente, o autista pensa muito nisso, principalmente aqueles que querem se enquadrar dentro do padrão ali da faculdade, ser igual todo mundo.

Mas, foi nesse ponto de conhecer ele, e olhar dentro de sala de aula, apontando as características do Victor, que eu pude ver onde ele tinha certas dificuldades, onde ele era mais autônomo, onde ele precisava de suporte. E o olhar dentro de sala de aula é muito importante porque lá no setor de inclusão, tem o apoio psicopedagógico, que são feitos pelos psicólogos e psicopedagogos, que fornecem mais orientações voltadas para métodos de estudos, estratégias de aprendizagem. Porém, dentro de sala nós temos um olhar mais afiado para entender qual é a dificuldade. E aí eu já posso trabalhar isso tudo, dentro de sala, ao invés de ir num contraturno, ao invés de só ir ao atendimento psicopedagógico e não ter essa visão de sala de aula. Meu novo aluno, não quis a mediação num primeiro momento.

E então foi trabalho um semestre inteiro que eu iria começar a acompanhá-lo em sala, só que não de maneira definitiva, aí ele começou a aceitar e hoje, ele me vê como referência também, em coisas básicas, por exemplo, eles às vezes se perdia qual era a sala de aula que teria que ir e aparecia perdido no NOPI, sem saber explicar porque a memória dele tem algum déficit, as vezes eu falo com ele uma coisa hoje e amanhã já esqueceu. Mas como a gente não tinha essa visão dentro de sala de aula, nós não entendíamos o que estava acontecendo. E nisso ele já evolui muito, foi aprovado em mais disciplinas, e está criando uma autonomia e uma consciência de que precisa estudar.

Nós temos disfunção executiva brava. Talvez por conta do diagnóstico tardio. E a aí gente, quando chegou à nossa casa, viu que já estavam no e-mail os apontamentos sobre a aula e do que gerou demanda para o aluno. O que era bacana para ele também, por que aí não tem o autista esqueceu ou interpretou errado, está registrado.

É muito importante esse passo a passo para o autista, pois para o cérebro dele é mais fácil decodificar do que eu só falar. Tanto que eu falava com o Victor o que ele tinha de demanda para fazer, mas eu vou te mandar por e-mail. Todo dia eu falava a mesma coisa. Coisas básicas como, por exemplo, o campus do UNIBH é muito confuso até para gente que é neurotípico, eu perco até hoje e estou lá tem 3 anos, até hoje tem sala que eu penso “Onde que é isso?”

Eu guiava o Victor. A gente se encontrava na porta e depois ia para sala; porém, depois de um tempo, o Victor já criou uma autonomia e me encontrava. Ele foi pegando as coisas.

Mas você não cobrava. Porque senão ia falar sempre “você consegue, então venha.” Era um processo natural e que envolvia confiança, tanto em si mesmo, tanto no intérprete que estará lá com você. E, surpresa, isso acontece de maneira diferente para o autista. Porque a Ana Flávia podia ter falado: “hoje você vai me encontrar na sala”. Estar ali e conseguir fazer isso, sem as placas indicativas, dependem muito do estado de espírito com que você chega à faculdade. Se tivesse de boa, ok, conseguia. Se tivesse nervoso, ou não tivesse dormido bem na noite, o mesmo trajeto sem a indicação, não conseguiria.

Imaginamos que você tenha observado as oscilações, uma resiliência por um lado e por outro uma instabilidade de humor mesmo. Havia dias que tinha uma crise antes. As crises foram se tornando mais raras ao longo da faculdade. Mas de vez em quando, chegava depois de uma crise. Como você observava essas mudanças? Como você fazia para ter esse olhar?

Era muito claro na feição, quando tinha tido uma boa noite de sono, depois de um tempo Victor já se abria e falava que não estava bem, e nisso eu sempre dava a escolha de ele tentar assistir aula. Eu sempre dei opções para ficar ou não na faculdade. Eu nunca pressionei a ficar lá ou não, porque isso é muito senso comum. “Ah não, mas todo mundo fica cansado e fica na faculdade.” É diferente para o autista. O cérebro do autista trabalha muito mais que o nosso e fica mais cansado mais fácil.

E aí eu sempre percebia pela feição. Muitas vezes, Victor estava mais abatido, e aí eu sempre perguntava se você queria ficar em sala, fazer um lanche ou seu mantra budista, que foi uma estratégia muito boa.

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