Autismo e Deficiência Intelectual - O Mundo Autista
O Mundo Autista

Autismo e Deficiência Intelectual

VAMOS CONHECER O CENSA COM A PSICÓLOGA NATÁLIA COSTA

Natália: Trabalho no Censa, Centro Especializado Nossa Senhora D’Assumpção, que completa 55 anos em 2019. Nós trabalhamos com pessoas com deficiência intelectual adultas e autistas severos também.

Selma: Eu me encanto com os talentos de seus educandos nas páreas da poesia, teatro, artesanato… Eles fazem de tudo.

Victor: São autistas severos ou com deficiência intelectual severa também. Como é o aprendizado dessas pessoas por meio das artes?

Natália: Fico feliz por poder mostrar o que eles conseguem fazer. Quando eles chegam ao Censa, eles chegam com um diagnóstico, cheios de relatórios de suas dificuldades. Mas o “pulo do gato” é ver as potencialidades que estão juntas ali, com essas dificuldades. Nós temos no Censa esportes adaptados como bocha, atletismo, natação, musicoterapia, teatro – temos uma trupe, a Alegria e Companhia. Temos ainda oficinas com objetivos terapêuticos e pedagógicos, onde os educandos podem aprender um ofício, uma atividade. Tudo isso é um convite, não é obrigatório. Mas é dessa forma que as pessoas podem nos mostrar do que são capazes, seus desejos, as habilidades que podem vir a desenvolver. Nós temos horários, mas nada engessado. Os horários são para organizar, dar rotina e segurança a todos. No refeitório, por exemplo, alguns se sentam sempre no mesmo lugar. Essa segurança dos rituais impede crises e diminui a necessidade de intervenção medicamentosa.

Nas oficinas, todos aprendem a ter compromisso com horário e com o processo para se chegar a um resultado. Tudo isso permite que eles valorizem o tempo, a importância do resultado e a satisfação da produção própria. Trabalha-se também a socialização. Esses educandos precisam aprender a cuidar do corpo, da higiene, a respeitar as coisas do outro. Pode até demorar meses, anos ou até décadas, Mas são pequenos passos que são muito importantes. Os pais ficam encantados quando conseguem levar um filho adulto a um restaurante pela primeira vez na vida. O que não acontecia antes.

Selma: Antes, essas pessoas eram mantidas em casa, escondidas. Hoje têm um lugar como o Censa. Pessoas com limitações severas, mas que podem, sim, aprender.

Victor: A internauta Antônia Lopes, do Acre, quer saber como identificar se uma atitude é comportamental ou se é da deficiência.

Natália. É difícil e exige muita observação. O diagnóstico do autista é conseguido observando o desenvolvimento infantil. Acontece que quando o autista chega ao Censa ele já chega adulto e até na terceira idade. A questão do autismo normalmente vem associada com outras condições como epilepsia, deficiência intelectual, esclerose tuberosa. A gente trabalha com a pessoa, o indivíduo em si. Não é interessante separar o que ele faz se é por causa da deficiência ou comportamental. O importante é saber qual é o gatilho, o motivo daquele comportamento. É preciso saber se esse comportamento traz algum prejuízo para, aí, sim, pensar numa terapia. No Censa usamos o ABA. A gente vai trabalhar com a pessoa e a família.

Victor: Como é feita a parceria com os pais, que normalmente são mais idosos?

Natália: São pais idosos e sofridos. Os pediatras de hoje, 2019, ainda têm dificuldades para diagnosticar o autismo. Eu mesma tenho amigos que não conseguem o diagnóstico para os filhos adolescentes. Então a gente lida com pais com filhos de 30/40 anos e não receberam o diagnóstico precoce. Nós estamos falando de pessoas que não aproveitaram as janelas do desenvolvimento do cérebro. Recebemos famílias com mães que se sentem culpadas, que abriram mão de toda uma vida pelo filho, mas que agora estão doentes e mais velhas. Elas não dão conta daquele filho adulto. A família toda está fragilizada e precisa de apoio amplo (pervasivo) nas atividades de vida diária, alimentação, banho, alimentação e até para tomar água, senão desidratam. No Censa, precisamos saber como acessar o indivíduo: o toque, o banho. São muitas variáveis que, muitas vezes, não foram trabalhadas.

Nós acolhemos a família, suas expectativas, vamos ver se elas são reais e possíveis dentro da ciência de hoje. Também recebemos pessoas cujos pais faleceram, e os irmãos, a família, não têm estrutura para atender as demandas da pessoa para garantir a qualidade de vida dela.

No Censa, nosso objetivo é a qualidade de vida. Nós não substituímos a família, somos parceiros dela. Seja uma família numerosa ou só com uma pessoa. A gente vai instrumentalizar essa família para ela lidar com seu ente querido. Esse vínculo familiar não pode ser perdido.
Selma: Os educandos ficam o tempo todo no Censa?

Depende, porque atendemos famílias de todo o Brasil. As pessoas de outros estados e cidades ficam no Censa. Quanto aos que podem ir para casa, vai depender do perfil e do quadro da pessoa, da estrutura da família (tem cuidador? tem que dê limites?), principalmente quando a pessoa tem histórico de heteroagressão, agressão a pais idosos, e não respondem bem à medicação. Assim, mesmo que os pais a queiram, a pessoa não pode voltar sem que antes seja preparada essa estrutura, com cuidado, e preparados os pais. São muitas variáveis que devem ser analisadas para que a volta à casa não seja uma experiência catastrófica.

Selma: A sociedade cria estereótipos e podem não dar crédito a pessoas com deficiências visíveis. Aí, nem se aproximam. Mas essa pessoa é que vai sinalizar a forma como deve ser tratada, não é mesmo?

Natália: Sim. Como acessar o outro pode ser uma grande dificuldade, porque há muitas linguagens. Com o tempo, a gente aprende a perceber a linguagem visual, olhar. Isso requer uma dedicação muito grande dos dois lados. A pessoa tem que confiar em você. Além de todo o suporte da tecnologia, das ferramentas da psicologia e psiquiatria, nada substitui o encontro do olhar e, claro, o amor – um interesse verdadeiro pelo outro.

Selma: Você já se surpreendeu com seus educandos com coisas que pareciam impossíveis, mas que eles conseguiram?

Natália: Ah… todos me surpreendem. Tem um autista, com ecolalia, que se comunica com música. Você pergunta: “De onde você é?”. E ele responde cantando: “O Rio de Janeiro continua lindo.”

Eu me surpreendi quando ele cantou para mim: “Paraíba masculina, mulher macho sim senhor.” Isso porque ele me acha brava. (risos)
O sujeito é maior que o diagnóstico. O diagnóstico e prognóstico são um norte, trabalham as expectativas, mas é só isso. O ser humano sempre vai nos surpreender.

Selma: Você, Natália, nos encanta, pelo brilho no olho quando o assunto é o Censa. Como o Censa vive financeiramente?

Natália: Temos convênio com o Exército, a Aeronáutica, a Marinha, as prefeituras e uma pequena parcela de particulares.

É importante dizer que o Censa só atende os casos graves, em que a pessoa não pode estar na escola ou no mercado de trabalho.

Selma: São 55 anos de Censa, e a Natália está à frente da instituição há 23 anos. E na visita que eu e o Victor fizemos ao local, vimos que lá não tem peso. Tem gente que sabe que não é fácil, mas que tem orgulho de saber que é possível fazer sempre mais.

Natália: Dor é diferente de sofrimento. A dor burila nosso espírito e a gente não precisa arrastar essa dor. Ela é um desafio, um momento para a reflexão. Já o sofrimento é opcional. Isso não pode virar drama porque, quando vira, você estaciona e se transforma em vítima de sua vida. E nós podemos mais, não podemos nos entregar nunca!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

Subscribe
Notify of
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments