Selma Sueli Silva
Um dos momentos mais tristes que vivi foi quando em uma das sessões de terapia disse que eu tinha uma série de sintomas de autista leve como meu filho e o psicólogo perguntou: “Para que o diagnóstico? Para você poder mandar todo mundo à PQP sem culpa?”.
Aquilo me doeu mais do que eu podia imaginar. Eu queria exatamente o contrário. Queria controlar minha impulsividade, que me colocava em situações difíceis desde sempre, queria não falar palavrão como forma de dizer o quanto eu estava com raiva. Queria, principalmente, dar conta de meu choro descontrolado.
Além de tudo isso, o sentimento de tormenta que se seguia a uma grande explosão era devastador. E o que era pior para mim: eu sabia que não podia prometer que não faria de novo. Eu simplesmente não conseguia me controlar. Quando eu sentia o coração bater na garganta, já era: eu ia direto na jugular de quem estava à minha frente. Minha mãe e meu ex-marido foram os mais amados e os mais sofridos com um gênio que ninguém dava conta ou conseguia entender.
Quanto mais me cercavam e me diziam coisas, mais eu me sentia incompreendida e mais eu me desequilibrava. O ex-marido corria a explicar: “Selma é uma mulher com um grande coração. Talvez o maior que eu conheci. Mas é geniosa e estourada”. Isso me doía porque quando somos isso ou aquilo por opção, por educação, por preferência, conseguimos mudar. Eu tentava, tentava, me prometia que de outra vez seria diferente… E pumba! Quando me dava conta, tudo ia pelos ares. Sempre tive medo de enlouquecer.
Como líder de equipe, procurava observar, analisar, ir com calma, pois conhecia meu lado irascível e nem eu dava conta dele. Lembro de tentar explicar determinada situação para duas pessoas de minha equipe. Uma delas tinha fama de brava e do nada começou a falar alto comigo. Tentei recorrer a todas as minhas estratégias. Tarde demais, o coração já estava pulsando na garganta. Então eu gritei mais alto e pedi que ela se relacionasse com minha faceta democrática, que se esforçava para ver uma situação por vários ângulos. Mas que fugisse de minha faceta autoritária, que era muito hábil e competente. Numa queda de braço entre líder e liderado, passaria por cima dela como um trator.
A moça se acalmou e eu também, como se nada tivesse acontecido. É que, colocadas as regras, não havia necessidade de desavenças novamente. O diálogo havia sido restaurado. Os outros membros da equipe não conseguiam entender como eu conseguia prosseguir como se nada tivesse acontecido. Ora… Aconteceu, foi resolvido, para quê ficar repisando em algo que foi solucionado?
Não foi por uma nem duas vezes que tive que explicar no emprego que meu choro não era porque me sentia enfraquecida, era por pura impotência. Por vezes, devo confessar, por frustração — não conseguir explicar que o caminho apontado por alguém não iria dar certo. Ainda mais porque quando defendo meu ponto de vista, arregalo os olhos, gesticulo muito e todos pensam que estou brigando. Céus! Nunca consegui explicar que perceber a solução para um problema me deixa elétrica e eufórica. Gesticulo bem mais e sou capaz de pular de alegria.
Levei muitas broncas por esse meu jeito. Minha mãe e irmãs cansaram de me explicar isso ou aquilo no social, quando dizia respeito a relacionamentos humanos. Comecei a observar desde sempre e aprendi a me desculpar, a ser discreta para ser social, a não falar na cara tudo que me vinha à cabeça.
Quando não conseguia, a resposta era sempre a mesma: Vou tentar, mas não posso prometer. Nem sempre percebo como você. Só quando você explica é que eu compreendo melhor. Mas… E nos momentos em que não conseguia me expressar e acabava me sentindo injustiçada, incompreendida e insegura? Lá vinha choro e mais choro. Palavras que não gostaria de dizer, vontade de bater no outro e em mim. Depois da tempestade, aquela sensação horrível: parece que passou um trator por cima de mim. E quanta coisa acabou derrubando. Tudo que eu queria era ser diferente do que eu era.
Mas tarde descobri o diagnóstico e, com ele, aprendi mais sobre minhas crises. Hoje, tudo o que eu quero é ser igual a mim mesma, com esse autoconhecimento que tenho agora. Sim. Existe luz depois do diagnóstico do autista adulto!
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.
não tem como não se emocionar pois cada linha e cada palavra me descreve.
Nossa, chorei muito lendo esse relato. Não tenho diagnóstico ainda mas sendo enfermeiro conheço os sinais de TEA, trabalho em um CAPS infantil, tenho 45 anos. A última vez que ouvi uma psiquiatra falar “o que vai mudar na tua vida?” fiquei bastante descrente. Tenho um filho de 21 anos com diagnóstico de TEA e um filho em investigação (a situação financeira está atrapalhando muito). Vou fazer a investigação ano que vem com uma neurologista boa demais e muito atenciosa. Mas a ansiedade é grande, final de ano bate uma tristeza, minha esposa cobra de mim um pouco mais de animo mas tá difícil demais. Muito choro. Um dia vai melhorar, né?
Caro, Tiago: persistência. Vai passar, e melhorar!
O que arrebenta de verdade é o acúmulo de fatores. Você não tem dinheiro para finalizar o diagnóstico enquanto trabalha em uma coisa que não gosta porque foi demitido do que gostava (por perder o controle sem saber do diagnóstico e muito menos fazer o acompanhamento necessário). Então você se vê perdendo o controle de novo (porque não tem dinheiro para o acompanhamento e diagnóstico). Quer sair do emprego mas não sabe o que fazer por precisar do dinheiro e aquilo que parece impossível de ser resolvido só te faz pensar em uma solução: acabar com tudo de uma vez, porque você está no meio de algo do qual não faz ideia de como sair.
Dói demais ver ciclos se repetirem, e agora você ser um adulto que tem contas a pagar, prazos de trabalho a cumprir, chefes a prestar contas e um ciclo sem fim de pensamentos obsessivos.
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Vivo na pele o seu relato
Estou precisando de mais conhecimento para ajudar meu esposo, que é o autista da relação
Meu marido é, e muito triste, porque demora, mas ele pira fica doido com coisas banais, grita chinga mágoa, e pior , fica dias sem falar comigo agindo como se a culpa fosse, minha e sempre calado em um canto diz querer ficar somente quieto depois passa, eu me humilho muito para ficar com ele fazer ele se acalmar e difícil
Tania, sinto muito. Por isso, é preciso haver tratamento, acesso à terapia. Se ele não topar, faça vc para sofrer menos ou até não sofrer com as características dele. Outra coisa: vc não é responsável por essa sobrecarga dele. Não se humilhe, saia do campo de visão dele. Quando passar, ele estará novo e nem pensará se vc sofreu (ele não percebe) ou não. Abraço carinhoso.
Não sei como cheguei a esse texto, mas lendo-o cai no choro, pois me reconheci em cada palavra. Meus filhos e eu estamos no processo de diagnóstico e ouvi que seria muito difícil para mim porque, aos 54 anos, aprendi a agir, falar, andar e me “comportar”, mas sofri muito e ainda sofro. Sempre, após o surto, eu fico arrasada por não ter conseguido ficar de boca fechada. Penso, repenso e me torturo pensando que se tivesse ficado calada não teria tido a consequência que teve. Agora, vou lutar pelo meu laudo, para saber que não era pura maldade, que magoei as pessoas mais amadas não para causar dor ou porque não me importava, mas porque não conseguia dar conta. Obrigada pelo texto. Chorei muito, estou com dor de cabeça, mas foi muito esclarecedor.
Minha amiga, conte com a gente. Não desista de seu laudo. O autoconhecimento é um direito valioso. Abraço carinhoso.