Autismo, Adolescência e Neurodiversidade - Como agir? - O Mundo Autista
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Autismo, Adolescência e Neurodiversidade – Como agir?

Victor Mendonça e Selma Sueli Silva

Selma: Vamos falar hoje sobre adolescência e neurodiversidade. Na medida em que cresci, uma expressão que passou a me aborrecer muito foi usar a palavra “aborrescência” para falar do período da adolescência, porque eu sempre tive dificuldade como adolescente e, depois de adulta, de lidar com essa fase, pois é uma fase muito difícil, em que seu corpo está a mil, você está passando por transformações orgânicas, hormonais, cerebrais, e existe nessa fase a poda sináptica.

Victor: Poda neural.

Selma: É, mas eu usei um termo que a Dra. Raquel usa, “poda sináptica”. A adolescência é uma fase de cobranças, sobre como você vai ser, sua profissão, quem você vai amar e estará do seu lado para o “resto da vida”… Porque quando você está namorando há seis anos, as pessoas perguntam “quando é que vocês vão casar”. Então, de qualquer maneira: “Quem eu sou?” E aí você pode, como adolescente, não gostar de quem é ou não saber quem você é. Eu lembro que observando o Victor… Foi marcante para mim uma ida a Cabo Frio em que eu compreendi que o Victor estava se percebendo ter um corpo diferente. E eu percebi todo o conflito, não do Victor, mas de todo mundo que vive essa idade e que vê o adulto brincar: “Ah, olha aqui a barbinha dele!”; para as meninas: “Ah, o peitinho surgindo!”… A gente está tentando entender o que é aquilo. O adolescente é muito impulsivo, ele reage nessa impulsão.

Victor: Impulsividade.

Selma: Ele normalmente não recebe a solidariedade do outro. E a gente cobra tanto a empatia…

Victor: A gente cobra tanto a empatia do adolescente…

Selma: Eu digo por mim. Eu sofri tanto nessa fase, tinha muita dificuldade de me colocar de novo na pele do adolescente porque eu sofria com isso. Então, tudo que eu não queria ser e era, na adolescência, me incomoda hoje nos adolescentes. Olha que loucura! Mas isso não é legal, temos que nos distanciar como adultos e perceber essa série de coisas que acontece com esse adolescente. E agora eu vou falar como mãe. Hoje é o dia do meu discurso, depois eu vou deixar o Victor amarrar essas ideias e dar soluções.

Victor: O meu segundo livro publicado, e eu só consegui publicá-lo depois que eu já estava saindo da adolescência, embora eu tenha escrito aos 14 anos, é o “Danielle, Asperger”. Mostra que a adolescência já é difícil para todo mundo, e ser adolescente com um cérebro neurodivergente, é mais desafiador ainda, sendo assim, como ela vai lidando com tudo isso, com essas dificuldades e problemas. Mexeu comigo esse livro. Eu só publiquei, no final da adolescência.

Selma: Para vocês entenderem a intensidade disso que o Victor está falando, na época, o sentimento que ele tinha com ele, e eu lembro bem, era de “Mamãe, eu sou louco”.

Victor: É.

Selma: Percebem? É muita coisa para tentar organizar e lidar. Eu, como mãe de autista e mãe autista. A fase de adolescência do Victor e de qualquer adolescente faz ressentir as minhas limitações na mesma intensidade que eu sentia na época. Não é fácil, mas hoje, tentando um distanciamento, eu percebo como o adulto e o entorno são importantes para esse adolescente chegar nessa fase e se descobrir, ter a sensação de pertencimento, porque se ele não tiver entendido para que lado que ele vai, podem vir drogas, o álcool, os maus caminhos. Ele tem essa lacuna a ser preenchida e não estamos percebendo.

Victor: E ele vai preencher isso de alguma forma. É difícil, mas, com empatia, cuidado, um olhar pelo nosso filho, e eu vejo pelo o que a minha mãe fez comigo, a gente vai tornando menos sofrida essa fase para que a pessoa consiga passar por ela. A doutora Raquel Del Monde escreveu sobre isso num texto, e eu assino embaixo porque é exatamente o que eu penso e usei na época, o que ajudou bastante. Uma coisa é a pessoa ter acesso à própria identidade, saber que é uma pessoa neurodivergente, que tem um cérebro autista ou com quaisquer outras condições neurodivergentes como TDAH ou o que seja, e saber que não tem nada de errado nisso, tudo bem ser diferente, como diria a Sônia Pessoa. Ela não precisa ser consertada, como eu digo no meu primeiro livro “O outro olhar”, mas ela precisa conhecer as regras do jogo para vencer no final. Também outro ponto muito interessante é ampliar o repertório de comunicação e de habilidades sociais. Não é normalizar a criança, dizer para ela “Agora você vai falar de futebol” só para ela agradar os coleguinhas, mascarar o diagnóstico não é saudável porque acaba prejudicando e fazendo com que a pessoa fique mais segregada e mais infeliz consigo mesma.

Selma: Nessa época eu não fui tão feliz, foi muito difícil para mim. O Victor tinha um repertório social bem restrito, mas eu também tinha. Eu me lembro de uma psicóloga falando que tínhamos que sair mesmo e receber pessoas em casa, ainda não tinha o diagnóstico do Victor, e era uma loucura, eu não conseguia fazer isso, acabei prejudicando. Mas eu e o pai do Victor acabamos suprindo por outro lado. Eu batia altos papos com o Victor sobre as ondas de interesse dele.

Victor: Sim, isso me ajudou a me desenvolver. Uma das coisas, sobre o que eu vou falar mais depois, é justamente fazer atividades que fazem sentido para a pessoa. E não existe receita de bolo, mas seja ver um filme, ler um livro, praticar um esporte, o que, aliás, é muito importante. Mas falando sobre a comunicação e formas de ampliar esse repertório, vai desde os casos mais severos de autismo, em busca da comunicação alternativa, até os aspectos mais sutis e sofisticados da linguagem, pois o autista pode se desenvolver, quem sabe em um teatro? O teatro me ajudou bastante, eu não finalizei o curso, foi só o começo, mas me ajudou demais.

Selma: Foi determinante.

Victor: Para eu me expressar, a arte-terapia também. Eu estou falando do meu caso. Mas a gente busca formas da pessoa aprender aspectos da comunicação não verbal, e no caso do autista mais severo, aprender questões da comunicação alternativa, o que também vai ser importante para ele.

Selma: Pensem bem em uma mãe que fala “Selma, meu filho só gosta de games”. Ok, vamos pensar o que pode advir disso. São games de origem japonesa? Eu conheço um adolescente que começou o curso de japonês em função disso. Ele já sabia muita coisa. Gostava muito de games, começou o curso de japonês. Se você explica determinadas coisas para o seu filho autista e faz sentido para ele, ele passa a observar. Se você falar sobre “como fica o corpo de uma pessoa que fica o tempo todo jogando”, esse corpo então precisa de cuidados especiais. Você já explica para ele a necessidade de esportes. Percebe? Dentro do hiperfoco dele você pode derivar várias atividades…

Victor: … Que vão desenvolver aptidões nessa pessoa. Também é muito importante desenvolver a autonomia e independência dessa pessoa. A gente tem um vídeo no canal com a Teóloga Alexandra Rangel que fala da diferença entre autonomia e independência, e não vou me ater a isso agora, mas as duas coisas são importantes de serem adquiridas logo nessa fase porque o tempo passa. E também oferecer suporte adequado nas dificuldades que ele precisar — de comunicação, motoras, escolares, sentimentos…

Selma: Isso é fantástico, porque eu lembro que todo mundo queria que eu ficasse no céu porque eu tinha um filho muito inteligente, mas dentro da minha casa eu sabia que essa inteligência vinha como um pacote completo com limitações e dificuldades. Então foi muito importante o dia em que o Victor me falou, nós sempre tínhamos muito diálogo, que na escola era chato cobrarem coisas que ele deveria dar conta e não dava. Por quê? Porque no senso comum, se a pessoa é inteligente e tem boas notas, logo conseguirá fazer qualquer coisa como participar da educação física, correr, amarrar sapato, ter agilidade para guardar os materiais… Não! É reconhecer de que pontos seu filho precisa como suporte, mesmo que ele seja, e não é nosso caso, um gênio. Tem pais e mães que se apagam ao discurso de “meu filho tem tais limitações, mas pelo menos ele é inteligente”. Não gente, tudo faz parte do pacote completo, porque o mais importante é a gente se preocupar com a formação humana daquele serzinho.

Victor: E para isso ele precisa ser bem cuidado nas suas questões emocionais, pois na fase da adolescência, assim como na fase de idosa, a gente tá subindo e não sabe o que vem depois, e isso gera muita ansiedade e depressão. E no caso de cérebros, a gente tem uma tendência, seja por questões sociais ou da própria neurologia, a ter ansiedade e depressão, e é necessário tratamento psicoterápico e às vezes medicamentoso. Temos que acabar com esse estigma da medicação que, bem utilizada e receitada, pode ser um aliado importante.

Selma: Você que gosta de cuidar de uma plantinha, acha que é fácil? Com gente é igual. É uma delicia, mas há de se ter muita atenção e amor.

Victor: É isso mesmo.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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