Victor Mendonça e Raquel Romano
Victor Mendonça e Raquel Romano falam sobre como a expressão criadora deve ser orientada para efetivar um rico aprendizado.
Victor Mendonça: A gente fala aqui no “De brincadeira”, que brincadeira é coisa séria. E no último programa, nós estávamos falando sobre a liberdade de expressão da criança, na hora de fazer os seus desenhos. Isso é uma coisa que não pode ser bloqueada, porque é a maneira dela desenvolver o contato com o mundo. Como trazer a arte para a educação?
Raquel Romano: A técnica é um instrumento para a criança se desenvolver. É na infância que se consolidam os avanços, assim como os bloqueios, na expressão criadora da criança. Muitas vezes, você encontra um adulto e é muito comum, que ele fale: “ah, eu não sei desenhar nada”, “se eu pegar no pincel, não sai nada”. Por quê? Porque normalmente, são histórias de bloqueio, de repressão, mesmo veladas. Por exemplo, quando o professor faz um elogio, que eu chamo de elogio falso: “Nossa, seu trabalho tá lindo, você é um artista.”. Isso é um desastre, sabe por que? A arte-educação não é para formar artistas e sim para estimular a expressão criadora. Então, esse elogio desencoraja muito.
Agora, quando você observa um futuro artista, em geral, são pinturas com criação própria, estereotipadas, ou não. Pode ser que seja um talento também. Há quem nasce com esse talento, que tem habilidade, essa vocação. Mas, mesmo assim, a atitude do adulto é muito importante nesse sentido. Porque nós queremos democratizar a expressão criadora, essa é a minha grande defesa. Essa expressão que você deve levar ao seu trabalho, na sua profissão para aceitar as diferenças, para enxergar novas possibilidades. Assim, a técnica é apenas um meio e eu não posso exigir que o meu aluno seja fiel à técnica. Até porque, se ele extrapolar, se ele transgredir, eu vou achar ótimo. Se ele fizer uma mistura diferente, se ele trouxer um outro material para fazer aquele trabalho, eu vou falar “poxa, que legal”, ele está voando pelas suas próprias vontades, isso é maravilhoso.
Então, pelas vontades da criança, desde pequena, a gente introduz alguns materiais como tintas, argila e ainda, muita gente ainda fala sobre a massinha para a criança. Hoje, eu defendo que a massinha deve ser para crianças maiores, pré-adolescentes e adultos. Sabe por quê? Porque a massinha, você a coloca na mão de uma criança, é interessante que ela vai fazer o mesmo processo do desenho que nós já falamos por aqui. Ela vai fazer desordenadamente, vai amassar na mão, depois, ela vai fazer cobrinhas, vai tentar dizer que é uma figura, mesmo que, precariamente, e não aos olhos da perfeição, que não existe. Quanto menor a criança, mais grossas devem ser as tintas para ela ter domínio sobre aquilo. Então, eu não posso dar uma aquarela para a criança sem que ela se sinta segura, porque a aquarela domina você e vai embora. Então aquilo é para pessoas adultas, ou crianças maiores que têm essa consciência sobre quantidade.
Outra coisa que já falamos, para o brincar, o desenho, as artes em geral, é que, quanto menor a criança, maior deve ser o objeto de manipulação. Porque, ela não tem o domínio global dos movimentos desenvolvidos. Ela vai ganhando equilíbrio nas grandes massas, por isso que eu falo que a massinha é muito pouco para a criança pequena. Já com as massas grandes, fica mais fácil dominar sua mão e amassar, pois o movimento exige que a criança desenvolva o tônus muscular das mãos, dos dedos, e a coordenação motora, tudo isso vai sendo desenvolvido.
Nessa relação com os materiais usados na expressão criadora, permite a descoberta do que ela pode fazer com isso. Mesmo que seja algo que o adulto não reconheça como uma arte, o que não precisa ser já que a criança não faz arte, ela brinca de arte, com as técnicas, com os materiais. Tem muitas histórias interessantes. Eu me lembro que, um menino fez uma casinha que ficou sem porta, e deixou secar, bonitinho. Quando secou, ele juntou todos os colegas e falou: “Agora vem aqui que eu vou mostrar o nascimento de um homem.”. E pegou aquela casinha, como se fosse uma oca e jogou longe o que ele tinha feito. Ele tinha colocado um playmobil dentro da oca. Ali, aconteceu a surpresa, nasceu o homem. Então, imagina, eu não perguntei o que que significava aquilo e nem precisa perguntar. E é isso que é importante, a gente não precisa ficar perguntando porque a arte na educação não é a arteterapia. É para desenvolver a expressão criadora, a relação com o mundo, as possibilidades de expressão. Por isso, esse gesto do garoto foi uma coisa tão bonita, tão espontânea, tão surpreendente. O objeto que ele faz não criou nenhum apego para ele, não era o mais importante que ele quebrar, espatifar, cair pelo chão, para nascer o homem. Olha que simbologia.
Eu teria vários casos para contar sobre essa evolução. Você tem que respeitar cada fase e entender como a expressão criadora nos dá equilíbrio. Esses os meninos que são mais agitados, é interessante que se escolham materiais que podem ser mais calmantes, para desenvolver concentração. Uma coisa importante também, Victor, que eu percebo é como os materiais de artes, especialmente de artes plásticas, podem ser usados numa relação com a física, química. Se há um bom professor, ou uma relação com outras disciplinas, eles já vão entendendo porque os materiais podem se transformar. Por exemplo, trabalhar com caixas, esculturas, empilhando materiais, não precisa ser nada, mas se surgir uma torre ou um tesouro, podemos observar como ele está lidando com o equilíbrio, com a proporção dos elementos ali, o equilíbrio da base até em cima. São várias oportunidades de aprendizado que as artes nos oferecem.
Victor Mendonça: São assuntos muito ricos que a gente vai abordar, futuramente, ao longo do “De brincadeira”.
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