Armadilhas da expressão "sair do espectro" autista - O Mundo Autista
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Armadilhas da expressão “sair do espectro” autista

Victor Mendonça e Doutora Raquel Del Monde

Victor Mendonça e Doutora Raquel Del Monde falam sobre o uso do termo “sair do espectro” e todas as armadilhas que há por trás dele.

Victor Mendonça: Vamos falar sobre a controversa expressão sair do espectro. Afinal, na condição autista, não é possível uma pessoa sair do espectro. Esse tipo de pensamento pode alimentar uma falsa esperança. Não que o autista não possa evoluir, a gente até surpreende muitos profissionais com nossa evolução. Mas, eu fico pensando que este tipo de pensamento traz mais prejuízos concretos para a vida da pessoa autista e são, muitas vezes ligados a desinformação sobre a condição e ao culto pela normalidade. Qual a sua avaliação, Dra Raquel?

Doutora Raquel Del Monde: A expressão “sair do espectro” reflete um entendimento muito equivocado do que é o espectro. Nos casos de profissionais que prometem à família que uma criança vai sair do espectro, costumamos ver duas situações: ou são profissionais que não tem uma compreensão profunda do assunto – aqueles que consideram que adquirir o uso funcional da fala e extinguir os sinais visíveis do autismo fazem com que a pessoa não seja mais autista – ou são aqueles que vendem tratamentos ou terapias “milagrosos”, explorando a boa-fé das pessoas.

Eu fico pensando na mensagem que fica para as pessoas: se o objetivo de tudo é tirar do espectro, estar no espectro é uma coisa indesejável, ruim. E, o que nós devemos mesmo almejar é que as pessoas autistas adquiram habilidades, como todo os seres humanos ao longo de seu neurodesenvolvimento. Todos nós, desde que nós nascemos, e pela vida toda, adquirimos habilidades e conhecimentos, elaboramos estratégias para lidar com as demandas da vida e é isso que queremos também para quem está no espectro: que essa pessoa desenvolva cada vez mais sua autonomia, sua independência. Que ela desenvolva todo seu potencial e se instrumentalize, que construa competências para os ambientes de educação e trabalho, que cultive relacionamentos significativos e que tenha uma boa qualidade de vida. É para isso que trabalhamos.

A mensagem que se passa ao almejar que uma pessoa saia do espectro não é para que ela ganhe habilidade ou autonomia, mas para que ela deixe de ser quem é. É uma mensagem extremamente negativa, de que não aceitamos uma condição que reflete a configuração do seu cérebro, que faz parte da sua trajetória de desenvolvimento.

Então, é um termo que é usado de forma equivocada e que pode trazer prejuízos reais, até no sentido prático. Temos visto, por exemplo, que em instituições escolares, quando alguém sai do espectro é o sinal verde para que seja negado qualquer tipo de suporte ou acomodação. Porque, para obter suportes educacionais, sociais, para o ambiente de trabalho ou mesmo para ter direito a reembolso de terapia ou receber determinado tipo de assistência, você precisa do diagnóstico. “Sair do espectro” implica na perda desses direitos e isso é uma coisa muito negativa, sem contar o prejuízo no lado emocional.

Victor Mendonça: É verdade. Esse lado emocional pode fazer a pessoa se sentir inferior por ser do jeito que é. E quando a pessoa ganha o rótulo de que saiu do espectro, ninguém sabe, verdadeiramente, os custos e as marcas que ela teve e tem ao longo da vida.

Não estamos falando contra a qualidade de vida dos autistas, a sua autonomia. Uma coisa que você falou e que eu acho muito interessante é que todas as pessoas passam por processos de evolução, para se aprimorarem e conquistarem uma qualidade de vida melhor, com mais autonomia. No caso do autista, ele vai precisar de intervenções mais específicas, sim. Isso é claro. Mas isso não quer dizer deixar de ser autista, mas é sobre explorar o potencial do autista ao máximo, como ele é. É isso?

Doutora Raquel Del Monde: Exatamente. O autista vai desenvolver suas habilidades de uma maneira diferente do padrão: vai precisar de estímulos específicos, numa intensidade diferente, de intervenções de diversos tipos. Nossa função é oferecer as condições para que isso ocorra, de acordo com as necessidades de cada um. O objetivo é o mesmo em relação a todas as crianças: que desenvolva todo seu potencial em direção à autonomia.

Victor Mendonça: Afinal, somos todos seres humanos.

Doutora Raquel Del Monde: Sim, em constante evolução.

Contatos doutora Raquel Del Monde

Instagram e Facebook: @draraqueldelmonde

Site: http://www.raqueldelmonde.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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