Livro Metamorfoses – autismo e diversidade de gênero, de Sophia Mendonça recebe análise por meio de Carta em dimensão afetiva de pesquisa, em adaptação para post no blog. Assim, o texto é do professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Juarez Guimarães Dias:
Reencontro você e sua pesquisa agora. Ou seja, quando ela se transformou em livro. O que é motivo de muita alegria e satisfação. E me sinto honrado em escrever esse posfácio. Ele vem em formato de carta, modelo comunicativo que adoto para dialogar com pesquisadoras e pesquisadores que me convidam à interlocução e ao encontro.
Com isso, fico feliz que seu trabalho vai circular em outro formato. E chegar a muitas pessoas que poderão ser transformadas por ele como eu fui. Assim, lembro com emoção da defesa da sua dissertação que deu origem a essa publicação. Isso porque foi um dia tão especial ao lado de pessoas especiais. Como sua orientadora Profa. Sônia Pessoa, a Profa. Camila Mantovani e o Prof. Maurício Guilherme. Além disso, havia seus familiares, colegas, amigos, amigas e pessoas que a admiram, como eu.
Dessa forma, lembro de iniciar minha fala destacando que seu trabalho estava fazendo História, fazendo Política na Universidade. Isso acontecia pela relevância singular da sua pesquisa. E por você ser a primeira pesquisadora trans autista no Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da UFMG. Então, quero novamente cumprimentar você pela coragem de trazer e compartilhar sua experiência. E dar a ver experiências de outras corpas, muitas vezes invisibilizadas e estigmatizadas por ignorância. Isso para dizer o mínimo.
Ressaltava também a relevância da dimensão afetiva da sua pesquisa, não apenas como ponto de partida. Mas, numa perspectiva transversal, estruturante. E dessa forma, proporcionando-nos a pensar outras epistemologias, outras formas de se fazer pesquisa acadêmica, outras corpas e vozes dentro da Universidade.
Com isso, vocẽ nos apresenta um trabalho que, particularmente, me afeta de várias maneiras. Ou seja, me emociona, me ensina. E além disso, nos coloca questões, suscita novas reflexões e novos olhares para o mundo. Esse mundo que a gente quer cada vez mais igualitário, cada vez mais diverso. E cada vez mais inclusivo e potente.
Relendo o texto, fico novamente comovido com sua autodeclaração de “comunicadora humanista”. Afinal, é que se esperaria de todo comunicador e comunicadora. Mas, a gente sabe que não é assim. Entretanto, você destaca essa qualidade. E é muito bonito ver seu movimento de, ao partir de si, estar com os outros e outras. Você também assinala “não ter mais medo do futuro”. E essas palavras me emocionam por ser uma pessoa que viveu muitos anos com medo, com muito medo. E ainda vivo, porque somos corpas dissonantes. Afinal, como pessoa e professor gay, ainda que cisgênero. Porém, sou um corpo LGBTQIAPN+ vulnerável a tantas violências. Mas, você e seu trabalho me encorajam a não viver com medo. Ou cada vez com menos medo. E isso não é pouco. Quero novamente te agradecer por isso. E pela possibilidade do encontro com você.
Afinal, é muito importante e potente que as narrativas de pessoas autistas e transgêneras, nessa perspectiva interseccional, possam ser incorporadas à produção de conhecimento. Isso ocorre porque seu trabalho amplia o mundo para todas, todos e todes nós. Além disso, engrandece a beleza do que podemos chamar de vida. Assim, acho bonita a perspectiva do seu processo de compreensão de identidade, da aceitação de quem você é. Isso pois começamos assim mesmo, nesse âmbito individual, para depois podermos olhar para outras pessoas no nosso entorno.
Então, é muito sensível perceber no seu texto como você vai nos abrindo e nos apresentando sua história para revelar aspectos que muitas vezes as pessoas desconhecem ou têm uma série de equívocos sobre quem nós somos, corpos e corpas LGBTQIAPN+. E de perceber a superioridade de pessoas que dizem “nos aceitar”. Isso porque tenho feito uma série de questionamentos em algumas pesquisas para pensar que não quero também “ser aceito”.
Dessa forma eu, como você, quero ser respeitado. Afinal, quem são as pessoas que se autorizam a dizer que nós somos aceitos? E que direitos essas vozes acham que têm para nos “aceitar”? Assim, queremos ser respeitados. Isso porque não nos entendemos como diferentes. Aliás, nossa compreensão é de que somos todas, todos e todes iguais na diferença. Com isso seu trabalho me ajuda, e penso que a outras pessoas que agora podem lê-lo, a reforçar e a endossar essas perspectivas.
Também: quem tem direito sobre o nosso corpo? Quem tem direito de dizer quem a gente é? Afinal, penso que é muita arrogância e prepotência. Sobretudo porque estamos nesse momento político, social, epistemológico (ou desepistemológico para contrariar as normas e os cânones acadêmicos). Isso de quem reivindica o direito de dizer sobre nosso corpo e nossa voz que não sejamos nós mesmos e mesmas. Dessa forma, seu trabalho grita por essa reivindicação legítima.
Ou seja, nós somos donos e donas dos nossos corpos e corpas, das nossas existências. Assim, somos nós que dizemos como somos chamados, como queremos ser tratados. E as pessoas precisam ter, no mínimo, que nos respeitar e nos acompanhar. Com isso, não há direito a questionar sobre nossa identidade de gênero e sexualidade.
Além diso, quero te cumprimentar por lançar luz sobre histórias de vida de outras pessoas trans e autistas. E por pensá-las a partir de sua própria vivência, estando diante dos semelhantes que ressaltam afinidades e identificações. Mas também diferenças e singularidades. Isso é encontrar o seu rosto pelo encontro do rosto de outras e outros. Então, esse movimento que você fez na pesquisa é de uma riqueza e beleza ímpares. Quero te cumprimentar também pela importância de denunciar profissionais da Medicina e da Psicologia pelas violências cometidas na condução de pessoas trans e autistas. E de forma geral, as corpas dissonantes das normas, nos diagnósticos, tratamentos, na forma estigmatizada com que são recebidas. Ou seja: parabéns pela coragem de tocar na ferida.
Assim, é muito importante que essas instituições que tentam regular as nossas identidades e existências sejam desmontadas e recriadas numa perspectiva mais humanista e plural. Isso para que possamos viver e florescer com dignidade. Então, sigo com você lutando e torcendo para que sejamos cada vez melhor compreendidos e acolhidos. Sobretudo, nesses espaços em que estamos muito mais vulneráveis.
Desejo que você possa continuar seus estudos e sua pesquisa. Ou seja, seu trabalho na difusão de experiências e conhecimentos sobre o autismo, a transgeneridade e suas interseccionalidades. O que ocorre por meio de seu canal no YouTube, seus livro. Além de seus perfis nas redes sociais digitais como o Facebook e o Instagram. Isso porque você e sua mãe Selma Sueli têm muito a contribuir, muito a dizer, muito a partilhar e ensinar. Dessa forma, o trabalho de vocês é de uma relevância e generosidade singulares. Então, obrigado pelo convite à sua banca. E ao convite à escrita desse texto.
Assim, penso, Sophia, que seu trabalho, agora materializado em livro, corta e abre o mundo com toda a delicadeza que você tem na sua existência. Então, obrigado pelo seu olhar, pelo seu gesto de pesquisa. E obrigado por esse encontro! Com isso, espero que nos vejamos logo, em um novo Brasil, cercado de amor, respeito. E compaixão pelas pessoas mais necessitadas. Ou seja, um Brasil onde a educação, a ciência, a saúde, o bem-estar, o trabalho e a dignidade estejam ao nosso lado.
Com carinho, afeto e admiração,
Professor do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social e Professor Adjunto do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Co-coordenador do Núcleo de Estudos em Estéticas do Performático e Experiência Comunicacional (Neepec/ UFMG), escritor, dramaturgo e encenador.
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