Selma Sueli Silva e doutora Raquel Del Monde
Selma Sueli Silva: Uma pessoa fez contato comigo pelo direct. Ela contou que tinha um mês que havia recebido o diagnóstico de autismo leve; isso aos 30 anos. Ela já havia passado por vários profissionais, tanto da psiquiatria quanto da psicologia, e sempre ouvia: “Ah! Que nada! Lógico que você não é autista! Você fala tão bem, você se comunica muito bem”!
Ouvir isso doía, pois ela sabia de suas dores seus desafios. Essa pessoa é professora de libras e já teve crises na escola quando teve uma dificuldade maior. Mas ela não desistiu e depois de assistir a um vídeo comigo e ela percebeu que se identificava com praticamente tudo o que foi falado.
Foi então que ela teve certeza de que autistas podem falar bem, ter trabalho e nem ‘parecer’ autista aos olhos de outras pessoas. Dra Raquel, como a gente pode analisar esta frase, ‘não parece autista’? Eu pelo menos sei que dói, porque a gente sabe a dor e a delícia de ser o que é e o que a gente tem que segurar de ansiedade, medo e receio.
Dra. Raquel Del Monde: Então, Selma, toda a vez que eu escuto essa frase de “não parece autista”, eu fico pensando o seguinte: o que seria parecer autista? Acho que podemos começar daí. É um comentário que a gente ouve com muita frequência, tanto para adultos, como para crianças: “Ah, mas ele não parece autista”. Parece haver uma expectativa por parte das pessoas de que seriam capazes de identificar um autista apenas de olhar para ele: talvez uma característica física ou algo que ficasse óbvio no seu comportamento.
É uma coisa bem complicada porque as características que definem o autismo não são visíveis. Mas, quando as pessoas dizem que alguém parece autista ou não, elas se referem a características visíveis, ou pelo menos observáveis, como a questão das estereotipias, dos stims, que são movimentos repetitivos, por exemplo. Se a observação for mais longa, talvez peculiaridades que podem ser observadas na maneira como que a pessoa interage com os outros, na maneira com que ela responde ao ambiente. Essas seriam as características observáveis
. Daí, as pessoas acreditam, baseadas num conhecimento que, geralmente, é muito restrito sobre o autismo, que elas seriam capazes de fazer essa identificação. Mas isso não acontece numa grande parte dos casos. Então, “não parecer autista” é bastante comum, a expectativa das pessoas é que precisa ser redefinida a partir de uma maior compreensão sobre o assunto.Selma Sueli Silva: Dra. Raquel, sabe o que mais me doeu? A senhora sabe que um psiquiatra para dar um diagnóstico desse é preciso todo um processo, um estudo, não é algo leviano. O que mais me doeu foi porque, para as pessoas, eu era boa demais para ser autista. Como se para ser autista tivesse que ser o pior, uma pessoa ‘coisificada’, um não sujeito de sua história.
Dra. Raquel Del Monde: Isso é muito complicado. Eu acho que esse é o ponto mais crítico da questão. Por trás dessa frase, parecer ou não parecer autista, a gente vê muito do que as pessoas julgam como sendo normal, desejável, o que são características boas ou não. Ou seja, estar dentro do padrão seria desejável e estar fora do padrão não seria desejável. Atribui-se uma conotação negativa a características diferentes. É o culto à normalização, a negação da diversidade humana.
Contatos doutora Raquel Del Monde
Instagram e Facebook: @draraqueldelmonde
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