Adulto com suspeita de autismo: Como levar essa demanda ao médico? - O Mundo Autista
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Adulto com suspeita de autismo: Como levar essa demanda ao médico?

Victor Mendonça e Selma Sueli Silva

Victor: Hoje vamos falar de um tema bastante delicado, mas que tem gerado muita dúvida entre os nossos internautas, principalmente os adultos desconfiados de que podem ser autistas. Foi uma sugestão da Ari, que disse que passou por uma consulta com um psicólogo, e ela quer saber como levar essa demanda de se desconfiar autista para um profissional. Como funciona isso?

Selma: É algo um pouco complicado, pois é um diagnóstico clínico. Não existe um exame em que você chegue ao resultado que tem autismo. Então vamos pensar. O autismo também é algo do neurodesenvolvimento, o adulto já está desenvolvido. A primeira coisa, quando ele vai ao psiquiatra ou neurologista, é falar “Para que, uai?”.

Victor: E já mascarou muita coisa, muitas características que estavam lá na infância; por isso a importâncias do resgate histórico.

Selma: A forma de você chegar ao profissional vai ser muito importante. Então primeiro é interessante que você pesquise se esse profissional entende de autismo, se for psiquiatra ou se for neurologista.

Victor: E mais ainda no caso das mulheres autistas, que são a maior parte que tem essa demanda, se entenda essas nuanças e sutilezas do autismo na mulher.

Selma: Passado esse primeiro passo, como você deve chegar neste profissional? A maioria gritante dos médicos, se você chegar ao consultório com uma relação de características, vai olhar para você e dizer: “Ok, o diagnóstico é clinico, você já trouxe tudo e quer que eu assine?”. Não, isso não existe. Ele irá levantar hipótese de que você chegou com um perfil e está querendo ser enquadrada nele. Alguns profissionais não veem isso com bons olhos e vai começar a questionar outras coisas.

Victor: E nós que somos autistas às vezes não temos a maldade de perceber isso.

Selma: Se eu sei que é assim, como lidar com essa situação? Lembram que eu e o Victor sempre falamos que nós que temos o cérebro neurodivergente temos que pensar sempre em estratégias? Para ir a um profissional de saúde também.

Primeiramente, você tem que levantar evidências. O profissional de saúde tem que saber por que você chegou lá. Você não pode afirmar sua certeza de ser autista, diga que está confusa. Explicar com evidências de cada fase do desenvolvimento que teve suas dificuldades e ao de deparar com pesquisas sobre o assunto, percebe semelhanças. Você estará falando para o profissional o seguinte: Estou com a demanda, não é a minha área, eu não entendo disso, mas eu estou com sofrimento, me ajude.

Victor: Uma coisa importante de se levantar é que para os profissionais o diagnóstico não é tão rápido. Geralmente, ele pede alguns exames, mas não para comprovar algum diagnóstico, porque não existe exame para tanto, mas para descartar outras possibilidades de diagnóstico. No caso da minha mãe, primeiro foi tratada a questão da ansiedade e do TOC para depois as características do autismo ficarem mais evidentes, fechando um diagnóstico.

Selma: Percebam que no meu caso eu tenho uma história que em si é muito sofrida. Eu nasci em comunidade muito pobre. Isso, em tese, poderia explicar a minha dificuldade de socialização. Muito pobrezinha, querendo entender da vida. Eu sempre quis tudo muito certinho, tinha evidências de TOC, que por si só poderia explicar tudo isso. Eu tenho ansiedade que não cabe em mim, também poderia explicar, só que a psiquiatra que fez o meu laudo demorou mais por esse motivo. Ela tratou o TOC e a ansiedade para ver se o que sobraria, e seria o autismo. Paralelamente a isso, traçou um resgate da minha infância, juventude e conversou com a família. Só com o Victor, ela ficou mais de uma hora, fiquei até morrendo de medo. Há profissionais que com duas sessões fazem o diagnóstico, outros, precisam de mais tempo. Depende de cada paciente.

Victor: É importante ter essa paciência e respeitar o tempo do médico. Às vezes ficamos muito aflitos, querendo essa luz no fim do túnel para explicar porque somos daquela maneira, mas o médico e a equipe multidisciplinar que vão trabalhar no seu diagnóstico precisam de um tempo para entender o que ele deve trabalhar. O diagnóstico é uma coisa muito séria.

Selma: Eu cresci sem esse diagnóstico, sem o rótulo de autista, e de repente, depois de toda minha maturidade, vem o rótulo. É muita responsabilidade. Eu sou grata a essa profissional, Dra. Giovana Mol, que se debruçou no meu caso, tinha conhecimento, e como lá é uma clínica também teve o acompanhamento com uma psicóloga, e no meu caso e do Victor as peças chaves foram a psiquiatra e o psicólogo. Mas hoje, ainda tem toda a equipe multidisciplinar.

O que não pode acontecer e o autista é hiperfocado, é que muitos autistas por conta do hiperfoco, tecnicamente em termos de conhecimento que está à disposição, ele pode saber até mais que o profissional de saúde. Mas isso não quer dizer que ele saiba mais que o profissional porque aqueles elementos que ele hiperfoca, estuda, eu me lembro do Evandro Guimarães: “O exame deu isso, mas analisado num conjunto, é inespecífico”. Temos que confiar no profissional.

Victor: Escolher um profissional que mereça essa confiança.

Selma: Porque, de repende, você chega lá com essa sua dor, e não é validado, ouvido e passa a ser concorrente. “Você está querendo me comprovar que é autista?”. Alguns profissionais se sentem assim. Se você notar que o profissional não tem empatia…

Victor: … E abertura para entender o novo e informação atualizada sobre o autismo…

Selma: Pula fora, não somos obrigados a ficar com esse médico. É a nossa vida e vale a pena pesquisar um bom médico. Outra coisa é não desistir, porque o diagnóstico é um direito da gente. Continue persistindo. Tem gente que fala assim: “Mas Selma, eu não tenho grana para pagar”. É complicado? É. Mas procure no Sistema Único de Saúde, lá também você pode dar uma peneirada e tem muita gente boa que já está à frente até nessas questões do autismo. Temos que acreditar, pesquisar, ir cavando e ter paciência. Eu sei que não é fácil. Às vezes a realidade vai trazer um pouco de dor, mas você sabe que o processo é doloroso, mas a vitória eu já tracei onde irei chegar. Vitória infalível. Então, vamos aguentar esse processo doloroso… Obrigada pela sugestão de vídeo.

Victor: Muito obrigado, foi muito boa e pode ajudar muita gente que tem nos perguntado sobre isso.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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