Selma Sueli Silva e Myriam Letícia
Neste último episódio da série com a psicóloga e autista Myriam Letícia, você vai acompanhar sua trajetória profissional, os desafios, as descobertas e, por fim, a adequação de sua realidade ao cenário da pandemia. Para você, adulto autista pode trabalhar?
Selma Sueli Silva: Myriam é psicóloga, terapeuta integrativa, servidora pública e ela é autista, descobriu na fase adulta. Eu quero saber mais sobre a sua vida profissional. Como está sendo o trabalho na pandemia, home office? Como é que você administra isso? Quais foram as perdas e quais foram as descobertas de trabalho em tempos de pandemia?
Myriam Letícia: Vamos falar sobre adaptação na pandemia e mudança de rotina, o que para a gente é um desafio. Quanto ao meu trabalho, eu trabalho no setor de Recursos Humanos da Câmara Municipal de Belo Horizonte e estamos fazendo o home office na pandemia. Aqui, eu vou falar das minhas “três linhas de trabalho”. O home office, no início foi difícil a adaptação para mim pois mudou a minha rotina e até eu me adaptar, ter disciplina, organização, planejamento, a questão da disfunção executiva que, às vezes, alguns autistas têm, foi difícil. Teve essa dificuldade para eu me adaptar e tive muita ansiedade também. Mas, trabalhando com a meditação, com a Yoga, com as terapias integrativas, tudo isso me ajudou bastante a dar conta. Quanto às práticas integrativas de saúde, eu atendia como terapeuta holística em consultório inclusive com reiki*, que é uma terapia com cristais e meditação. No início da pandemia, eu dei uma pausa. Às vezes, eu enviava o reiki à distância e agora eu estou retomando a prática do meu atendimento a distância: fazendo o reiki à distância, orientação de meditação online para quem sentir essa necessidade, porque na pandemia, eu percebi que há pessoas que estão precisando.
Recentemente, terminei uma especialização em Transtorno do Espectro Autista (TEA) onde entre 2016 e 2018 já havia feito um trabalho online. Na verdade, foi o atendimento online quando o Conselho Federal de Psicologia (CFP) tinha uma outra regulamentação pois só era regulamentada a a orientação psicológica on line e não a psicoterapia. Eu tinha trabalhava como orientadora psicológica, profissão que hoje é regulamentada como psicologia online. Era um trabalho online em um site, depois suspendi esse atendimento mas agora estou retomando novamente. Como orientadora psicológica, meus últimos trabalhos foram com saúde mental na infância e adolescência. Além de trabalhar com infância e adolescência, gosto de lidar com orientação de pais e também com orientação a adultos, nessa linha do adulto autista. Estou me organizando e, em breve o site de psicologia vai voltar ao ar com toda a descrição do trabalho. Estou me organizando. Eu acho que é um desafio que a gente tem, que o adulto autista tem, que é a questão do trabalho na pandemia: com muita gente fazendo o home office, muitas dificuldades, crises de ansiedade, justamente por causa da mudança de rotina.
Selma Sueli Silva: Eu não sei você, mas eu tenho o diagnóstico de Transtorno da Ansiedade Generalizada (TAG). E, no autista, mesmo que ele não tenha esse diagnóstico, a ansiedade é muito brava. Eu já comentei que eu e o Victor somos budistas, então eu percebo a importância da oração, cada um na sua religião e na sua espiritualidade
, como forma de alinhar, de equilibrar o cérebro. No meu caso, a meditação que é a recitaçãodo Nam-myoho-renge-kyo (mantra budista), e a respiração, são duas ferramentas que temos e são gratuitas. Eu penso que é uma perda de tempo para autistas e neurotípicos não usar as duas ferramentas: meditação e respiração.Myriam Letícia: A respiração é um ponto fundamental na meditação também. Existem vários tipos de meditação, como você falou. Você faz a meditação ligada a religião, a espiritualidade. Hoje, existem meditações para quem não tem ligação com a espiritualidade. A meditação é muito estudada pela neurociência, e é possível você fazer a meditação desligado de alguma questão religiosa, de espiritualidade, porque os benefícios já são comprovados pelos neurologistas, na nossa modulação, inclusive de ansiedade, de foco, de memória, de estado emocional, de bem-estar, de qualidade de vida, concentração. Tudo isso é estudado e comprovado e os benefícios da meditação estão aí também. É uma ferramenta que é a gente mesmo: é o nosso corpo, o nosso cérebro, a nossa respiração. E a gente pode utilizar isso ao nosso favor. Claro que, para quem nunca meditou, vai ter alguma dificuldade inicial, mas tem a questão da orientação, da instrução. A gente pode fazer meditações guiadas, mas é aos poucos mesmo. Começamos com pouco tempo, e o corpo e a mente vão se adaptando e vão gostando do estado que alcançamos, estado meditativo e vão pedindo cada vez mais tempo ali.
Selma Sueli: Eu faço a meditação do mantra, mas eu faço a meditação também que não é ligada a religião, a espiritualidade, e ela está ligada à percepção da nossa respiração. As pessoas não têm percepção da respiração, mas a respiração diz tudo da gente. Por exemplo, quando você está aflito, com medo ou com dor, a sua respiração fica mais entrecortada, ofegante. Nessa hora, você precisa de relaxar, de focar, uma parada de um minuto faz grande diferença.
Myriam Letícia: A respiração é super importante, ela modula e quando a gente tem esse transtorno de ansiedade, como você falou, isso impacta diretamente na respiração. A ansiedade mexe com nossos estados emocionais e físicos e psicofísicos. Então, vem a taquicardia, a respiração fica mais ofegante, quando a pessoa está em uma crise de ansiedade, por exemplo. Trabalhar a respiração ali é fundamental.
* Reiki é uma técnica considerada como terapia integrativa, em que o terapeuta (ou mestre reikiano) estende suas mãos sob partes do corpo do paciente para canalizar energia vital universal e restaurar o equilíbrio físico, regularizar suas funções vitais e equilibrar o campo mental e emocional.
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