Sophia Mendonça comenta a relação entre ciência e opinião no autismo para argumentar que ciência se combate com ciência.
Na última semana, vi no Instagram um texto da querida Fátima de Kwant que colocava a ciência como algo exato. Portanto, na percepção dela, o fazer científico é o contrário da opinião pessoal. Considerei a análise dela muito interessante porque há alguns meses tenho ‘hiperfocado’ nessa relação entre ciência e opinião. E, concordando com o ponto que a Fátima levanta, gostaria de trazer algumas ponderações que talvez agreguem à discussão.
A primeira delas se refere ao método científico. Algo que é basilar na pesquisa acadêmica é que a sua percepção pessoal não pode prevalecer aos critérios de validação. Estes vão sendo estabelecidos e corroborados ao longo dos anos. O problema, no bom sentido acadêmico da palavra, é que raramente percebemos o processo que levou à mudança de uma metodologia para a consolidação de outra. Foi assim que a astrologia deixou de ser vista como algo sério. Com isso, viu seu valor como ciência se tornando cada vez mais questionável.
O pesquisador Roland Barthes, nesse sentido, destacou-se ao observar que o processo está lá o tempo todo, moldado pelas prática sociais que também interagem com as opiniões das pessoas. Então, para entender de ciência e o seu fluxo contínuo, já que ainda temos muito o que perceber e descobrir, é preciso lançar aquele velho olhar sobre para quem criou certos critérios e dentro de quais contextos.
Tudo isso explica porque alguns profissionais da saúde que conquistaram fama e renome recebem constantemente críticas por não terem se atualizado quanto às observações científicas. Por exemplo, o diagnóstico de autismo no século 20 raramente incluía mulheres. Isso porque não havia tanto interesse de estudar o sexo feminino em um cenário que privilegiava a força bruta para as guerras.
Além disso, muitos autistas não se assumem como homossexuais e nem com incongruência de gênero. Isso porque essas condições eram consideradas doenças pelos manuais médicos e científicos da época. O que explica porque muitos profissionais, durante consultas, questionam diagnóstico com base em critérios ligados a sexo e gênero. Esses são relatos que constantemente recebo de seguidores e evidenciam estereótipos que vêm das pessoas por trás da ciência e reverberam na prática clínica.
Apesar desses entraves não-científicos, a instituição ciência é sempre a nossa maior aliada como autistas para a busca do conhecimento e a refutação do que é equivocado. Portanto, achismos e perspectivas enviesadas não devem ter espaço nessa seara.
Sophia Mendonça é jornalista e escritora. Também, atua como youtuber do canal “Mundo Autista” e é colunista da “Revista Autismo/Canal Autismo“ e do “Portal UAI“. Além disso, é mestre em Comunicação, Territorialidades e Vulnerabilidades (UFMG) e doutoranda em Literatura, Cultura e Tradução (UfPel). Assim, em 2016, tornou-se a pessoa mais jovem a receber o Grande Colar do Mérito em Belo Horizonte. Já em 2019, ganhou o prêmio de Boas Práticas do programa da União Européia Erasmus+.
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