A mulher autista é o outro do outro - O Mundo Autista
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A mulher autista é o outro do outro

Foto com fundo colorido, com duas filas de bonecas russas matrioskas. Só uma delas está completa. As outras não estão pintadas.

Quero explicar minha reflexão sobre: a mulher autista é o outro do outro. Para isso, vou contar uma pequena história sobre minha bisavó. Ela apresentava fortes traços autistas. Faleceu em 2008, mesmo ano de meu diagnóstico. Vovó Glória teve de lidar com a fobia social. Assim, ela se escondida sempre que chegavam visitas em sua casa. Mesmo que fossem da família.

Além disso, a Vovó Glória não comemorava a gravidez na família. Quando nascia uma menina, ela demonstrava pesar. Afinal, considerava as meninas mais sofridas que meninos. Entretanto, ela possibilitou as mesmas oportunidades de estudos para todos os nove filhos. Homens e mulheres.

Certamente, mulher de opinião é traço marcante na família. Mas não porque os homens sejam ou tenham sido mais “apagados”. Eles, também, têm personalidade forte. A trajetória da vida, de cada um, é motivo de orgulho. As características das mulheres, contudo, provocaram impacto mais expressivo na família.

A mulher autista é o outro do outro

Embora os estudos apontem uma maior prevalência de homens autistas, esse mito está, aos poucos, caindo por terra. A proporção que já foi de 10 meninos para cada menina, agora é de 3 homens para cada mulher.

A maioria das mulheres com quadros sutis de autismo, demoram para ser diagnosticadas. O diagnóstico tardio vem somente na fase adulta, diante de uma situação catastrófica (Livro “Asperger no Feminino”). Certamente, o autismo no feminino manifesta nuances e sutilezas. Dessa forma, é grande a diferença entre a vivência e a percepção de homens e de mulheres autistas. Ainda que, os critérios diagnósticos sejam os mesmos para ambos os sexos.

O psicólogo e pesquisador Tony Attwood explica que mulheres e meninas tendem a disfarçar as características da síndrome. Fazem isso com mais facilidade que os homens. Mas outros fatores influenciam no subdiagnóstico. Portanto, a investigação deve ir além das dificuldades de Comunicação Social.

Afinal, há pouco estudo histórico científico sobre o autismo na mulher. Além disso, muitos médicos hesitam em fechar o laudo para quem não apresenta atrasos mais evidentes.

O outro do outro

A historiadora Joan Scott analisa que a opressão feminina não está ligada, necessariamente, a características biológicas. O que contraria o senso comum da mulher como sexo frágil. Em uma perspectiva similar, a filósofa Simone de Beauvoir pondera que as mulheres são “o outro”. Ou seja, elas são um “segundo sexo” que só existe na comparação com aquele que é considerado o principal.

A escritora Letícia Nascimento afirma que não há categoria abstrata de mulher vítima de subordinação. Em vez disso, para a autora, existem mulheres diversas. E é assim, que essa pluralidade se evidencia em etnia, orientação sexual, deficiências. Além disso, para Letícia, o ódio ao feminino é destinado às características do ‘ser mulher’.

Mulher autista, o outro do outro

Portanto, a mulher autista é marginalizada de muitas formas. Quer dizer que muitas não têm a chance de acesso à sua real identidade. Para muitos médicos, essas mulheres apresentam vida funcional. Isso acorre pela capacidade de adaptação feminina.

Assim, o médico conclui que se elas viveram uma vida aparentemente “comum”, o laudo é dispensável. Mas onde está a legitimidade dessa afirmativa?

Falta, ainda, a compreensão de como as características do autismo atravessam o ‘ser mulher‘. No Brasil e no mundo. Por exemplo, como as mulheres autistas se protegem da violência psicológica? Ou mesmo do assédio sexual? Por causa das dificuldades para ler as entrelinhas das relações sociais. De forma que, 90% das mulheres com deficiência já foram vítimas de abuso.

Um apelo sobre o autismo no feminino

Aos poucos, avançamos na percepção do autismo no feminino. Agora, o próximo passo será compreender como as dinâmicas sociais afetam as experiências de mulheres autistas.

Dessa forma, é preciso que a sociedade construa um olhar social. Para enxergar a mulher autista. Precisamos resgatar seres humanos de valor. Mas que se tornaram invisíveis para a sociedade.

Texto da jornalista e mestranda em Comunicação Social, Sophia Mendonça

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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