Selma Sueli Silva e Camila Marques
Selma e Camila falam sobre a forma que usamos a comunicação e os efeitos que as nossas intenções podem causar naquilo que falamos. Entender isso, pode nos livrar de cair em várias ciladas, como tratamentos milagrosos para o autismo.
Selma Sueli Silva: Camila, eu sei que você está fazendo algumas matérias de mestrado e sua área o discurso. Você considera a comunicação hoje, convergente ou divergente? Ela está cumprindo o papel de unir, de criar pontes?
Camila Marques: A Análise do Discurso (AD) é uma linha de estudo, que foi o desdobramento de várias correntes de estudo e surgiu na década de 1960, na França, por meio dos estudos do pesquisador Patrick Charaudeau. A AD é uma linha de pensamento vinda do desdobramento de correntes de estudo que já existiam, como a Escola de Frankfurt*, a **Escola de Chicago, não se tratando de uma simples invenção. O mundo naquele período vivenciava questões como os movimentos femininos e questões ainda ligadas a Segunda Guerra Mundial. Na análise do discurso, mais dos que os meios de comunicação de massa, como rádio, TV e jornais, como nós conhecemos, nós estudamos a mensagem, o peso que empregamos na mensagem.
Eu estava lendo um pesquisador chamado Ducrot , que veio alguns anos depois. Ele fala que na mensagem, o contexto sociopolítico, quem ouve e o contexto de quem ouve a mensagem, tudo isso influencia e também faz parte da Análise do Discurso. O autor fala sobre a enunciação e aponta que, quem lê a mensagem não coloca valor sobre a mesma. Mas, quando fazemos juízo do que está sendo lido, mudamos a interpretação daquilo que está sendo mencionado. Então, o contexto, a forma que estamos dizendo, os sons, o ambiente, tudo isso, nós estud amos na Análise do Discurso. É uma linha de estudo que eu gosto muito.
Selma Sueli Silva: Se você for analisar o contexto em que vivemos hoje, isso é realmente muito importante. E quem estuda a comunicação percebe que nada surge por acaso. Tudo é um processo. Muita gente fala assim: “Ah, hoje em dia está um saco esse negócio do politicamente correto”. Mas isso não é de hoje: nesse processo, ficou provado que algumas falas reforçavam preconceitos, rótulos e estigmas, e deviam ser revistas.
Na minha infância, tinha uma série de piadinhas consideradas normal de se fazer com relação às mulheres e com relação às pessoas pretas. E aí, é muito fácil para quem não é alvo dessas piadinhas, dizer que é bobagem. Imaginem ser chamado de macaco por quem está ouvindo? Essa questão da mensagem que a Camila está falando é algo muito importante. Porque somos fruto dessas mensagens, mas, a gente decodifica essas mensagens de acordo com o contexto, o tempo, as pessoas e de acordo com o nosso repertório e com a nossa vivência. Eu vou lançar uma pergunta para a próxima quinta: A gente sabe se comunicar? A comunicação hoje está atendendo aos objetivos, que é o de união, para a gente chegar no consenso que seja bom para o coletivo?
Camila Marques: A gente tem responsabilidade sobre aquilo que a gente fala. Talvez, essa seja a maior provocação que a Análise do Discurso pode fazer, se adequando ao contexto em que estamos vivendo hoje.
*Escola de Frankfurt: foi uma escola de análise e pensamento filosófico e sociológico que surgiu na Universidade de Frankfurt, situada na Alemanha.
**Escola de Chicago: Esse nome é dado a um grupo de professores e pesquisadores da Universidade de Chicago, que surgiu nos Estados Unidos nos anos 20 e durante algumas décadas do início de século XX, trazendo uma série de contribuições à sociologia, psicologia social e ciências da comunicação.
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