Paloma Breit
O cumprimento da lei deve ser feito com inclusão, respeitando-se o Princípio da Dignidade Humana, o Princípio da Isonomia quanto aos direitos e deveres, acolhendo-se a pessoa com deficiência como ela é, sem discriminação ou vieses inconscientes em nenhuma das etapas de um recrutamento ou mesmo no trabalho e fornecendo-se as condições mínimas de acessibilidade e adaptações para execução das atividades laborais.
Lembro-me bem de quando ainda nem me reconhecia como pessoa com deficiência, mas já trabalhava com inclusão. Ainda não havia descoberto ser uma mulher autista, mas atuava na inclusão de pessoas com deficiência na universidade na qual me formei e permaneço estudando, a UFABC.
Meus amigos, os alunos que eu acompanhava em sala de aula, aos poucos buscavam as primeiras oportunidades de trabalho. Quantas vezes não os vi receberem “nãos” associados à informação de que eles não tinham o perfil que as empresas queriam. Isso, quando se tratava de uma deficiência que o senso comum julgava requerer mais adaptações, ou ofertas de trabalho com um salário muito baixo e incompatível com a função, apesar de serem pessoas bem qualificadas, em uma época que não era de crise como a atual. Tal realidade apresentava-se em ambos os casos, por serem eles pessoas com deficiência.
Da mesma forma, quando em 2018 descobri que eu era autista, passei a incluir em meu currículo a sigla para pessoa com deficiência (PcD). A partir de então, comecei a receber também as “oportunidades” de trabalho incompatíveis com a minha qualificação.
Em uma determinada época, quando resolvi substituir “PcD” pela palavra autista, os contatos dos recrutadores simplesmente cessaram. Então, voltei a incluir a sigla de pessoa com deficiência e os contatos das empresas voltaram a ocorrer.
Pois bem, esses são alguns dos exemplos de como nós, pessoas com deficiência, enfrentamos barreiras na busca pela oportunidade de emprego em nosso país, desde a exposição do currículo, candidatura, salário, passando pelo processo seletivo até chegar às nossas deficiências em si e saber se seremos contratadas ou não.
Se por um lado há a Lei 8.213/1991 a se cumprir para empresas a partir de 100 funcionários (conhecida como Lei de Cotas), por outro, há as pessoas com deficiência como eu, meus amigos e meus concidadãos dentre a população brasileira, somando cerca de 45 milhões de pessoas (segundo o IBGE de 2010), que se já não estão, precisarão ser inseridas no ambiente laboral em algum momento.
O cumprimento da lei deve ser feito com inclusão, respeitando-se o Princípio da Dignidade Humana, o Princípio da Isonomia quanto aos direitos e deveres, acolhendo-se a pessoa com deficiência como ela é, sem discriminação ou vieses inconscientes em nenhuma das etapas de um recrutamento ou mesmo no trabalho e fornecendo-se as condições mínimas de acessibilidade e adaptações para execução das atividades laborais.
Impor-nos a qualquer momento barreiras para além das quais nós já temos que enfrentar em um processo seletivo e no nosso cotidiano é furtar-se da responsabilidade social que cada empresa carrega consigo, favorecer um país mais desigual, fortalecer preconceitos, empobrecer um grupo minorizado, olhar para a nossa deficiência como se esta fosse o essencial do nosso ser, antes mesmo de atentar-se à nossa humanidade, e perder um olhar de diversidade.
Paloma Breit, 39 anos, é autista, idealizadora do Fórum de pessoas com deficiência e diversidade com foco em processos seletivos equitativos, integrante do Inclusão Humanizada, defensora dos direitos das pessoas com deficiência, user research com foco em acessibilidade e inclusão e participante de projetos na área de inclusão de pessoa com deficiência. É mãe e formada em Ciências e Humanidades, concluinte de Relações Internacionais e estudante de Ciência da Computação, todos na UFABC.
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