Victor Mendonça
Em fevereiro de 2017, entrevistei o meu grande amigo João Luiz Carneiro para o canal ‘Mundo Asperger’, veiculado no YouTube. Neste vídeo, intitulado ‘Autista tem Amigo?‘, trocamos nossas experiências de desafios e conquistas da amizade entre o autista e o neurotípico. Apesar do tom leve deste episódio, a interação do autista com o mundo é sempre um tema delicado de ser abordado. Afinal, será que uma pessoa que carece de malícia social e, ainda por cima, tem dificuldades de manter diálogos funcionais será capaz de perceber o valor de uma amizade? Ou mesmo compreender o que é a amizade, um conceito que para alguns pode soar como demasiadamente abstrato?
Para o filósofo e pacifista Daisaku Ikeda, “a amizade é o mais belo dos laços humanos. É um relacionamento que transcende as perdas e os ganhos. Não se trata de algo superficial, muito menos de simplesmente sentir simpatia ou pena de outra pessoa. É um relacionamento em que, não importando o que aconteça com a outra pessoa, vocês ainda se preocupam com ela do fundo do coração. A amizade é um tesouro insubstituível.” Dessa forma, a interação com o outro, a busca por amizades é algo importante na vida de qualquer pessoa. Ficar isolado em meio aos próprios pensamentos, sem nenhum mecanismo para dividi-los com outras pessoas (o que não inclui somente a linguagem oral), é uma das piores torturas às quais qualquer ser humano pode ser submetido. Vivemos em uma sociedade, e funcionar bem junto a ela envolve uma questão de saúde, como abordo em meu primeiro livro, ‘Outro Olhar – Reflexões de um Autista’.
Não cabe apontar autistas ou neurotípicos como culpados por essa dificuldade de interagirem entre si. O que acontece é que temos maneiras diferentes de perceber o mundo. Essa falta de entendimento gera conflitos e isolamento. Eu já experimentei essas situações. Posso afirmar que não são nada agradáveis. Também tenho os momentos em que gosto de ficar sozinho, claro, desde que sejam por escolha minha e não impostos por uma possível fragilidade na interação social. Lembro-me que a minha primeira melhor amiga, certa vez, chamou-me na escola para passar o recreio com ela. É que ela sentia pena de mim por estar sempre sozinho, o que realmente era incômodo em determinados momentos. A partir dessa amiga, que me transportou para o grupo dos “populares” do qual ela fazia parte, sempre busquei por uma pessoa de suporte nos grupos em que convivia. Antes disso, eu até interagia bem com outras pessoas e colegas, mas não criava laços profundos de amizade. Os momentos mais difíceis, para mim, foram quando me vi desamparado, em um grupo que não tinha uma pessoa amiga para decodificar, quase traduzir a linguagem das outras crianças e adolescentes para mim.
Como define Ikeda, a amizade deve ser genuína, e para isso ela é conquistada, construída aos poucos. Hoje tenho grupo de amigos bastante próximos na faculdade, fazemos trabalhos em conjunto e sinto que eles não estão do meu lado por pena do autista. Pelo contrário, sei que tenho muito a acrescentar ao grupo, e também aprendo muito com todos eles. Saímos constantemente para eventos e festas. Eles conhecem as minhas limitações com barulhos, notam alguns sintomas de fobia social e nunca exigem de mim mais do que dou conta, nem vice-versa. Isto é um desafio, pois é difícil para um autista saber a hora certa de intervir numa conversa grupal, assim como compreender quais são os comportamentos socialmente desejados, o que envolve muitas tentativas, erros, acertos e, por vezes, frustração. Por mais difícil que isso seja, nós, autistas, devemos estar preparados para nos fortalecermos com as más experiências sociais pelas quais possamos passar em alguns momentos da nossa vida. Eu paguei para ver e conquistei amigos maravilhosos e outros que hoje não chamaria de amigos, mas que serviram a um processo de aprendizado para minha relação social. O autista não deve ficar preso em uma redoma. É justamente este contato com o mundo que o fará evoluir.
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