Victor Mendonça e Selma Sueli Silva
É muito importante a gente ter mais informação para ter menos preconceito. E, pensando nisso, uma grande seguidora do Mundo Asperger, que nós já consideramos também como uma amiga, a Aline Caneda, sugeriu um tema que achamos muito relevante, a importância dos padrões para o autista, seja criança, adolescente ou adulto.
Uma das primeiras coisas que as pessoas observam: aquele menino empina o carrinho de uma maneira engraçada, ele enfileira todos os carrinhos. Ou aquela menina (às vezes já não tão menina mais) que enfileira todos os livros um por um. A importância desses padrões na vida do autista é que, para o autista, seria um caos que o mundo fosse imprevisível. E o mundo é imprevisível! Mas, por quê? O mundo interno do autista já é excitado, o cérebro do autista é excitado. O que isso significa? Que a gente está sempre raciocinando muito, remoendo muito certas coisas de precisamos para se organizar e conseguir manter uma coerência nos nossos pensamentos e na nossa produtividade.
No recreio, os meninos vão todos lá para fora (Victor e Selma iam para a enfermaria ou biblioteca), começam a brincar, enquanto o autista resolve primeiro limpar e organizar a área em que ele vai trabalhar, porque, para ele, brincar é uma tarefa. É preciso organizar tudo antes de relaxar e usufruir daquilo. E, depois, o que acontece? A professora chega e avisa: “acabou”. Como assim? Ah, mas eles só organizam os brinquedos, eles não brincam… O problema é que não deram tempo para ele brincar com os brinquedos que ele organizou. Isso é caso verídico.
Há uma série de situações em que a gente tem que entender que esses padrões na vida do autista servem para que ele se organize melhor, por exemplo, e devem ser respeitados. Muitas mamães costumam colocar a rotina desenhada: levantar, escovar os dentes, tomar café, porque quando o autista olha tudo, ele tem a noção do que vai acontecer o dia inteiro, assim minimizando aquela voraz. Digamos que alguma coisa imprevista aconteça. Fica mais fácil de ele visualizar e lidar com esse imprevisto se estiver dentro dessa métrica, dessa rotina, porque não se trata de rigidez excessiva, mas de uma organização.
Quando o autista tem na cabeça dele tudo organizado (é assim, é assim, é assim…) e propõe a outra pessoa que façam alguma coisa juntos, é frustrante ter “Não” como resposta. Isso pode desencadear até uma crise. Na medida em que vai se conhecendo, o autista torna-se mais flexível.
O livro “Minha Vida de Trás pra Frente” registra o caso de uma autista adulta que fala que ela gostava de brincar organizando os brinquedos e não gostava de brincar com outras pessoas, porque elas não deixavam que ela controlasse o ambiente. O autista é muito controlador? Todo autista tende a ser controlador. Mas, em um ambiente controlado, é mais fácil lidar com ele do que com surpresas. Para ficar claro: Muitos pais falam que “o filho virou agora um reizinho, ele quer mandar”. Não é isso. É que o filho tem uma limitação diante do ambiente, adaptar-se é mais difícil para ele. A tentativa de controlar o ambiente é para o autista uma necessidade de defesa.
O filho, por exemplo, chega para a mãe e pergunta: “Mamãe, isso vai dar certo?”. Essa insegurança é desgastante para ambos. A relação é sutil, porque há coisas que você não pode prometer ou garantir. Quando a resposta é “Não sei”, o autista tem que lidar com a ansiedade. Muitas vezes entendemos que o autista “só quer desse jeito, vai ser só do jeito dele”. O Reizinho. Não. É necessário entender que ele precisa de previsibilidade, de uma sequência lógica para assimilar as coisas. É preciso interagir com ele em casa, para que perceba e descubra outros cômodos, outras formas, de maneira lúdica, leve, um dia de cada vez.
Victor tem um amigo, o Raphael Giffoni, que consegue tirá-lo desse repertório do lugar comum, mas porque aí há uma questão de afeto, afinidade e confiança. Quando os dois resolvem saem, o Raphael já tem esse combinado com o Victor: “eu vou ligar, vai ser em cima da hora”, o que Victor normalmente detesta. “Se der deu, se não der não deu”. O Raphael vai treinando com o Victor esse tipo de coisa. Ambos ganham quando compreendem que todo mundo tem o mesmo gosto, as mesmas facilidades de convívio social.
É importante pontuar que esse trabalho pode ser feito com um psicoterapeuta, mas é importante que a pessoa exercite com o autista fora da sala do terapeuta, para garantir a generalização do aprendizado. A amizade é importante por causa disso.
Resumindo: o cérebro do autista é excitado. Ele é sensível a sons, enxerga detalhes nas coisas. Tudo é sobrecarregado de estímulos, estímulos, estímulos… Portanto é tão importante que se organize, tenha um padrão, e conte com a compreensão das pessoas próximas para que consiga lidar com a turbulência cotidiana.
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Quanta informação clara escrita de maneira deliciosa!