Selma Sueli Silva e Victor Mendonça
Como, a partir da família, podemos construir uma sociedade melhor? Em uma partilha pessoal, Selma Sueli Silva e Victor Mendonça falam sobre a convivência familiar como base para um sociedade melhor.
Selma Sueli Silva: Victor, você foi para a casa do seu pai e, em tempos de pandemia, a tecnologia nos permite estar lado a lado e mais. Até porque somos uma família moderna não só na tecnologia. Você está em nossa casa o tempo inteiro e por vez, está aí na casa do seu pai, que é sua também. Isso é bom para você?
Victor Mendonça: Eu acho maravilhoso. Essa questão da família contemporânea, que abarca diversos formatos de família é muito interessante. Quando eu era criança, eu tinha 11 anos, você falou que ia se separar do meu pai e eu estranhei, não queria. Aí, você falou: “Às vezes, é preciso separar inclusive, para a família ficar mais unida.” E foi o que aconteceu. Hoje, eu, a vovó (sua mãe) , a Clarice (esposa do meu pai), meu pai e você somos uma grande família. Criamos esse laço fraternal, para além do conceito tradicional de família. E o que é família? São as pessoas que estão próximas da gente.
Selma Sueli Silva: Victor, às vezes, nós complicamos muito. Nas nossas relações, quer seja na família, na escola, no nosso cotidiano, essas pessoas que chegam para a nossa família, como os cunhados, ou famílias que se juntam por causa de um segundo casamento, nos convida a reorganizar a estrutura familiar inicial. Se todos somos seres humanos o nosso primeiro movimento tem que ser de acolhimento. Assim, você abre a possibilidade de atrair, de agregar. Mas quando, ao conhecer alguém, a gente se coloca na defensiva, a gente complica as coisas para a família. Como a sogra que, ao conhecer o genro, já começa a colocar mil defeitos no namorado que a filha escolheu. Então, vamos entender o porquê que a filha escolheu. Vamos observar pelos olhos da minha filha. Observar mais e julgar menos, isso é empatia.
Victor Mendonça: Realmente, passa bem por aí, observar sem julgar para acessar o melhor de cada pessoa. Porque quando você constitui uma família, independentemente do formato como essa família, existe a união pessoas de culturas e de bagagens distintas. Cada pessoa é única na sua vivência, no seu histórico de vida. As pessoas tem seus traumas, suas dificuldades e temos que lançar um olhar sobre essas dificuldades e não rotular de pronto, “Ah, porque fulano é esquentadinho, porque fulano é muito metódico”, ou coisas desse tipo.
Numa pessoa, o que menos importa são as características puras. O que determina as relações é o que as pessoas fazem com essas características. Por isso, temos de nos preocupar em fazer a nossa revolução humana, que é essa busca por aprimoramento pessoal no dia a dia. Isso vai fortalece também a família, porque a gente influencia o ambiente e é influenciado por ele. Para transformar esse ambiente, eu tenho que me perguntar o que eu estou para dificultar essa relação. E, a partir disso, eu jogo luz nessa dificuldade para trabalhar melhor a questão.
Selma Sueli Silva: Quando as pessoas vão se casar, a primeira coisa que se ouve é: “O fulano veio de uma família totalmente diferente da minha”. Ainda bem, né? Porque, são essas diferenças que possibilitam o enriquecimento, o crescimento do casal. Com todo mundo igual, você vai crescer como? Você vai avançar por onde? Quando há essas diferenças, é que existem as chances de você avançar. Então, isso não tem que ser olhado como horrível, isso tem que ser olhado da forma que você falou: “O que vou fazer com isso para que eu possa construir a partir dessas diferentes?” .
Victor Mendonça: Existe a diferença do conflito para o confronto que, principalmente, nessa questão de conflito de gerações, fica claro. Um aprende com o outro, sem que haja confronto, necessariamente. Para o nosso aprimoramento, para ser feliz, para ter esse convívio familiar bacana, essas diferenças são imprescindíveis. A família é a menor célula da sociedade e é na família, que vamos treinar para viver em sociedade. Por isso, o conflito vai existir e é essencial que ele exista para a gente aprender e se treinar, inclusive, para ser melhor para os outros.
Muitas pessoas reclamam que em casa o marido, o filho, a mãe, quem quer que seja, é mais chato. Claro. A casa é o lugar onde a pessoa treina para ser melhor. Em família acontece o treinamento, a pessoa se solta mais. O confronto, por outro lado, é quando você anula a visão do outro, tenta impor um jeito seu, o que não deixa de ser uma forma de violência. Toda a forma de violência, já dizia Jean Paul- Sartre, é uma derrota.
Selma Sueli Silva: Exatamente. Eu me lembro do professor Mário Sérgio Cortella que fala que “No conflito, a gente não quer vencer a qualquer custo. No confronto, sim”. No conflito, a gente observa, dialoga para convencer, todos vencem juntos. No confronto, a pessoa quer vencer e vencer sozinho, ele não escuta o outro. O diálogo é a base de tudo. E o diálogo precisa de empatia. Não a empatia teorizada: “Eu te entendo, Victor”. Não. “Será que eu estou entendendo as circunstâncias que envolvem você, o que você está passando nesse momento?”. É um exercício diário, feito no espaço da família.
Victor Mendonça: Exatamente. Por isso que eu falei que família é treinamento para coexistir de forma harmoniosa.
Selma Sueli Silva: A gente cria filho para o mundo. Todo mundo já ouviu falar isso.
A gente cria o filho para o mundo exatamente para que a tenhamos a possibilidade de pensamento no coletivo, para a criação de uma sociedade melhor. É preciso entender o que eu posso gerar para que essa vida, no coletivo, também espelha uma vida harmoniosa que a gente espera que exista nas famílias.
Victor Mendonça: Isso mesmo. Como diria Daisaku Ikeda, filósofo e pacifista japonês: “Seja como for, a grandiosa revolução humana de uma única pessoa, poderá um dia transformar o destino de um país e de toda a humanidade”. Eu falo sobre isso no meu último livro, Ikeda, um século de humanismo.
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