Victor Mendonça e Raquel Romano
Victor Mendonça: Hoje, eu e Raquel Romano, arteterapeuta e arteeducadora, retomamos um tema que é um ponto nevrálgico para muitas pessoas autistas e até autistas adultos. Estou falando sobre a dificuldade de iniciar algumas tarefas, algumas atividades do dia a dia. Falta convicção. Como o autista pode encontrar o equilíbrio para não se perder em meio a suas tarefas?
Raquel Romano: Esse é um tema sobre o qual nós poderíamos falar por horas e horas seguidas. Porque, muitas vezes, o autista não faz as tarefas, não cria uma rotina, e não é porque ele não quer, não. Isso acontece porque falta um impulso interno que o conduza à disciplina. Então, como é que ele pode fazer isso? Treinando de forma lúdica, por exemplo. Cuidar do seu próprio café, de lavar as suas xícaras, de arrumar o seu quarto… São tarefas comuns diárias normais e necessárias para qualquer pessoa. Se você vive no meio de desordem, também vai ficar em eterna desordem. Fica mais difícil de achar as coisas.
Victor Mendonça: Porque é um círculo vicioso, não é, Raquel?
Raquel Romano: Sim, cria um círculo vicioso. E aí, a pessoa passa a acreditar que ela não dá conta. “Ah, eu não dou conta, isso é difícil”. Por quê? Porque ela ainda não teve o start. Tem que começar e ver o resultado.
Victor Mendonça: A pessoa cria essa regra de que ela não dá conta. Ela toma isso como padrão, o que dificulta o resultado como um todo.
Raquel Romano: Exatamente, cria como regra. E muitas vezes são pessoas que têm superproteção e, às vezes, têm família, um pai e uma mãe que confirmam isso, não deixando a pessoa fazer, não orientando para que a pessoa experimente algo novo. Agora, volto eu às minhas crenças de criatividade
. Eu acho que temos que ensinar ao autista a fazer as tarefas que são, para ele, difíceis, torná-las criativas. Ele gosta de inventar o jeito dele, porque ele vai saindo da caixinha da robotização e começa a descobrir que tem ideias próprias. Coisas do tipo: “Eu posso fazer o meu lanche da maneira que quiser e fica agradável. “Eu posso comer uma coisa do jeito que eu inventar. Eu posso reorganizar o meu armário do jeito que eu quiser, criando uma sequência de roupas, por cores, por tipo”. Isso aí vai criando um prazer para essa ocupação da rotina. É uma prática, um treino, um estímulo que essa pessoa vai receber.Victor Mendonça: E você coloca de uma forma muito interessante. Algumas pessoas que fazem trabalhos mais complicados com muita competência, não conseguem fazer coisas ou tarefas que para a maioria é trivial, é fácil. Mas, é isso: às vezes, falta ver sentido na tarefa, perceber a lógica. Porque, quando a gente é autista, se a gente não vê lógica, não vê prazer, a gente tende a se afastar. De fato, nós, autistas, precisamos traçar nosso próprio caminho.
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