Victor Mendonça
Não haveria outro título mais adequado para o livro francês A Diferença Invisível. A protagonista Marguerite não parece nada distante dos padrões que a sociedade convencionou como de normalidade ou sucesso.
Marguerite tem um bom emprego, mora com o namorado há dois anos, convive sempre com muita gente, tem ideias interessantes e é uma excelente profissional.
Contudo, é por meio das sutilezas que a autora Julie Danchez e a ilustradora Mademoiselle Caroline nos revelam quem, de fato, é Marguerite.
Elementos que podem parecer detalhes para os demais personagens ou mesmo para os leitores são, também, o que faz a moça chegar aos 27 anos com sensação de total inadequação e esgotamento. Ela tem dificuldades para sair da rotina ou até para dividir a cama com o namorado. Sofre para se adequar aos diálogos e interações quando está com os amigos dele. O trabalho, por sinal, é uma tremenda sobrecarga sensorial.
Quando Marguerite descobre o porquê de sua diferença, as mesmas pessoas que por vezes julgavam o comportamento da jovem como estranho olham com desconfiança para o novo diagnóstico. A garota tem Síndrome de Asperger, um Transtorno do Espectro Autista (TEA), que ainda é subdiagnosticado no sexo feminino. As mulheres, por questões culturais e estruturais, têm maior facilidade de camuflar seus sintomas.
A jornada de Marguerite é contada sem estereótipos muito em função de a própria autora Julie Dachez servir de inspiração para a protagonista, conferido quase um caráter autobiográfico à obra.
Dachez aborda as particularidades do autismo no feminino e os desafios comuns a adultos autistas, da relação afetiva ao mercado de trabalho, passando pela ingenuidade, pelas manias, dificuldades sociais e técnicas utilizadas para camuflar tudo isso.
A linguagem de quadrinhos utilizada pelas quase 200 páginas também se configura como grande acerto. É como entrar na mente da personagem e perceber o que é sentido, mas não falado e nem sequer decodificado como pensamento. O que ela luta para esconder na tentativa, sempre, de se adequar aos outros.
Entretanto, este não é um livro triste. Aliás, a delicadeza como a obra lida com o sofrimento solitário da personagem central e seu posterior sentimento de libertação é um dos pontos fortes de A Diferença Invisível. As autoras também acertam com doses inteligentes de humor para evidenciar a situação de Marguerite.
Mademoiselle Caroline merece elogios pelo realismo estilizado empregado nas ilustrações.
A artista faz um belo trabalho que encontra o equilíbrio entre expressar uma série de sentimentos e sensações e manter a seriedade oscilando com elegância entre a melancolia e o bom-humor, elementos importantes para o desenrolar da trama.
A Diferença Invisível estabelece-se também como crítica à patologização da diferença e como um belo trabalho sobre conscientização do autismo que foge do senso comum e apresenta, ainda, conhecimento condizente com as evidências científicas recentes e os ideais da neurodiversidade.
Porém, acima de tudo, esta é uma história envolvente e bem contada sobre a jornada de uma mulher que deseja sentir-se confortável consigo mesma.
Texto originalmente publicado na Revista Inclusive.com
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.