Sobre a crise no autismo e o rótulo de ‘menina nervosa’: Quando mais nova, não era raro eu ouvir de pessoas próximas que eu parecia ter duas personalidades. A era a que se manifestava na maior parte do tempo era meiga e carinhosa. No entanto, um outro lado com traços agressivos e uma demonstração de indiferença pelo outro.
Esse perfil marcado por uma raiva incontrolável e dificuldades intensas de comunicação era o que se manifestava no momento de crises. Ou, mais precisamente, colapsos. Apesar de não combinar em nada com o meu comportamento na maior parte do tempo, sempre que ele aparecia eu perdia alguns contatos, distanciava outros e magoava os mais próximos.
Os colapsos são uma perda temporária do controle emocional pelo indivíduo. Eles se caracterizam por choros, gritos e movimentos repetitivos intensos. Algumas vezes podem trazer momentos de auto ou hétero agressão.
A psicóloga Lídia Prata esclarece que essa espécie de crise nervosa apresenta características e motivações diferentes de episódios de birra. Na birra, a criança se protege de possíveis machucados e se satisfaz quando alguém dá o que ela deseja. Já o colapso, ou meltdown, tem início, meio e fim independentemente da vontade ou ação externa.
Em um momento como esse, o ideal é sempre não pôr mais lenha na fogueira. Assim, é importante evitar falatórios ou orientações extensas que deixem a pessoa ainda mais confusa. Dessa forma, sempre é relevante lembrar que comportamento é comunicação, para perceber as causas e possíveis gatilhos dessas crises.
Por outro lado, é preciso admitir que a minha família nunca foi a mais habilidosa em lidar com as minhas crises. Para além dos infindáveis bate-bocas nos momentos de agressividade, eu tinha que lidar com os julgamentos que perduravam após o colapso cessar. Desse modo, ganhei o rótulo de ‘menina nervosa’. Minhas crises não eram vistas como um sintoma ou característica neurodivergente, e sim como uma maneira esperta de manipulação.
Eu não fazia aquilo para conseguir o que queria e muito menos para chamar a atenção. Eram momentos de desespero com os quais eu ainda não tinha as ferramentas para lidar, e ainda tinha que interagir com elementos externos que despertavam as minhas características mais brutais. Com o tempo, percebi o quanto a crise tirava a minha credibilidade e que aqueles mais ardilosos até apreciavam que eu pudesse ter uma, para desqualificar uma argumentação anterior consistente.
Não tem jeito: em relação à crise no autismo, prevenir sempre vai ser melhor do que remediar. A experiência me diz que o ambiente nem sempre vai ser favorável a isso. Então, busco dia após dia conseguir criar uma força interior que seja capaz de minimizar as influências nocivas ao redor.
Descobri a meditação, os filmes, a literatura e o hiperfoco de modo geral como aliados para momentos assim. Claro, o auxílio de um bom psicólogo e, em alguns casos, de uma medicação bem regulada costuma ser crucial. Portanto, o autista precisa se cuidar para estar pleno e apto a transformar o mundo que o cerca.
Sophia Mendonça é jornalista e escritora. Além disso, é apresentadora e mestranda em Comunicação pela UFMG.
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