A Comunicação do Autista - O Mundo Autista
O Mundo Autista

A Comunicação do Autista

Victor Mendonça

Para o filósofo Ludwig Wittgenstein (1889-1951), somos do tamanho de nossa linguagem. A linguagem, embora não seja algo natural e sim uma criação para suprir as necessidades comunicativas do ser humano, é o que confere sentido a todos os fenômenos e acontecimentos. Ela existe desde muito antes de cada um de nós. Porém, o autismo vem para dar uma mexida neste paradigma, embora ele seja facilmente aplicável à maioria das pessoas. E nos leva ao seguinte questionamento: como trazer ao mundo da linguagem essas pessoas que tem vasto universo interior, mas dificuldades variadas e, por vezes, severas em se comunicar, tanto no âmbito verbal quanto do lado não verbal?

Para a psiquiatra Raquel Del Monde, em entrevista concedida ao Blog do ‘Mundo Asperger’ sobre ‘O Que é o Transtorno do Espectro Autista?’, “muitas pessoas associam problemas de comunicação a problemas de fala. Entretanto, comunicação é muito mais que linguagem oral: é a base de toda interação humana. Envolve toda troca de mensagens entre duas ou mais pessoas, seja ela verbal (utilizando-se de palavras) ou não verbal (utilizando-se de gestos, expressão corporal, facial, postura e uso de sinais). Sendo uma troca, necessariamente é uma via de mão dupla: envolve sempre um emissor (quem emite a mensagem) e o receptor (quem recebe e interpreta a mensagem). E, para ser efetiva, é preciso que ambos dominem o código que utilizam, para que a mensagem tenha significado mútuo. Quanto maior o conhecimento e a familiaridade do emissor e do receptor com o código utilizado, mais clara e explícita será a mensagem trocada entre eles. Para a maior parte das pessoas, a fala é provavelmente o código de maior familiaridade, portanto o atraso no desenvolvimento da fala ou suas alterações costumam ser os aspectos mais lembrados quando pensamos no autismo. Mas um bom domínio da linguagem oral exige mais do que a produção correta dos sons formando as palavras. Exige também a compreensão dos seus significados, a ordenação delas numa estrutura de frase coerente, a capacidade de adequar a mensagem a uma determinada situação. Além disso, outros aspectos da produção da fala – como a fluência, o tom e a inflexão da voz – podem contribuir para reforçar ou modificar o sentido da mensagem, de forma implícita. São vários níveis de domínio e cada um deles pode estar alterado no autismo, de forma independente.”

De acordo com a fonoaudióloga Monique Fernandes em entrevista veiculada no Canal ‘Mundo Asperger’ sobre ‘Fala, Linguagem e Com

unicação‘, o desenvolvimento da comunicação como um todo é mais importante do que a fala em si. Isto me remete a uma série de experiências de vida, principalmente antes do meu diagnóstico de Síndrome de Asperger, que só chegou quando eu tinha 11 anos. Embora fosse extremamente verbal e tivesse superficialmente um ótimo domínio das figuras de linguagem, minha comunicação não era funcional. Eu falava pelos cotovelos, mas muitas vezes eram monólogos que nada acrescentavam ao receptor.

Mais tarde, resolvi entrar para o curso de Jornalismo e, depois, dediquei-me ao estudo do Teatro e outras Artes, o que me ajudou a entender as nuances, nem sempre óbvias e por vezes até bastante subliminares, de todas essas linguagens comunicativas. Tornei-me, desde então, um estudioso da comunicação. Gosto do processo de comunicação por não ser linear, envolver ação e reação e, principalmente, por nos colocar num processo em que somos simultaneamente mestres e discípulos. Essa troca com o mundo não tem preço.

Por isso, acredito que devemos estar atentos às formas alternativas de comunicação, em especial às pessoas que se encontram do lado severo ou moderado do espectro. Ainda de acordo com a entrevista da fonoaudióloga Monique Fernandes, os métodos de comunicação alternativa são auxiliares importantes e não atrapalham o desenvolvimento da comunicação verbal. Hoje, sabemos de casos de autistas severos como Amy Sequenzia, Ido Kedar, Carly Fleischmann e, no Brasil, Pedro de Lucena, que, embora sejam não-verbais, e, em muitos casos, foram julgados como indivíduos com deficiência intelectual, revelaram habilidades para diversas áreas com a ajuda de meios alternativos de comunicação. Não dar essa chance a tais pessoas é o mesmo que desperdiçar enormes valores para a movimentação da sociedade em todos os seus setores. Afinal, gente é para brilhar, sempre!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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eufonseka
eufonseka
5 anos atrás

Olá, sou portuguesa, chamo-me Raquel, tenho 42 anos, descobri só há um ano e meio que sou Asperger. Tenho um filho de 17 anos também Asperger, mas com mais “grau”, mais dificuldades, porque teve dispraxia verbal grave em bebé e teve de frequentar Terapeuta da fala ou como vocês dizem, fonoaudiólogo, desde os 3 anos até aos 6 anos e meio. Ele não falava até aos 4 quando começou a dizer as primeiras palavrinhas e com dificuldade. Pois os lábios, as cordas vocais, a língua, tudo estava descoordenada ou meio disfuncional até aos 5 anos, idade em que já dizia frases, sempre um discurso normal, sempre se mostrou um bebé super inteligente e lindo desde que nasceu, sem problema de saúde nenhum sem ser a fala. Só que não acenava adeus, não dava beijinhos, não apontava, descobrimos aos 3 anos que não conseguia soprar bem…assisti e fazia tudo igual ao terapeuta em casa, até fiz Curso de Língua Gestual portuguesa, Iniciação, tive dificuldade, mas precisava que meu filho comunicasse comigo, estava super ansiosa, ele aprendia tudo muito bem. Mas antes, quase desesperei correndo com ele, mais meu marido, a todo o tipo de médicos desde os 2 anos e meio, altura em que ele mudou, começaram as birras intensas sem explicação e esquisitice com alguns alimentos. Desconfiaram de espectro de autismo, mas depois da terapia da fala ele parecia um menino comum, sem problemas de maior…colocamos de lado essa hipótese porque os Educadores e professores em Portugal, os que conheci, por esa altura de 2005 e 2006, não sabiam nada ou quase nada de autismo. O que se encontrava na internet e nas leituras e palestras da época, quase só relatavam casos severos, não pareciam nada estar a falar do meu filho, por isso seguimos em frente. Hoje em dia, acho que ser Asperger me ajudou, não acreditei em maus prognósticos logo…duvidei de muita coisas, pesquisei, estudei…mas não chegava, eu estava só com meu marido, ninguém na família entendia disso. Soubemos de um primo mais ou menos da idade dele que suspeitaram de autismo, mas haviam muitas dúvidas e pouca informação. O primo em 2º grau é Asperger também, tem muito boas notas na área da ciência, meu filho é mais “letras” como o Victor da querida Selma aqui deste site. Meu irmão também tem um filho autista…
O meu problema maior de comunicação, que só hoje me apercebo melhor porque perdi amigas, era: interrompê-las, pois eu estava sempre a ter muitas ideias e ficava ansiosa para falar, ao assistir filmes ou algum programa de TV, eu falava pelo meio, enervando elas, eu fazia comentários sinceros e directos à roupa, ao aspecto ou ao nome delas sem saber que as magoava ou irritava, eu não sabia o que dizer se elas falavam de morte ou namoros, eu era muito tímida e muito insegura, trapalhona a andar, tropeçava facilmente, deixava cair coisas se em grupo, bloqueava dos pensamentos, dizia coisas incompletas, pois esquecia que eles não sabiam ao que eu me referia, criando muitos mal entendidos que me prejudicavam, fazia muitas vezes interpretação literal, lembro-me que algumas vezes se os professores eram ríspidos, insensíveis comigo, eu chorava se me mandassem ler em voz alta para a turma, etc

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