Na infância, era recorrente receber críticas por ser inconveniente. Embora os adultos as chamassem de orientações. Eles me viam como uma criança que não se importava em magoar os outros. Mas não por eu fazer mal a alguém, de propósito. Na verdade, como autista, eu não tinha uma percepção adequada das regras sociais.
Eu dizia frases do tipo: “Porque você não vai pra sua casa?”, se a visita demorava para ir embora. Ou “Olá, pessoas que eu não conheço”, quando me pediam para cumprimentar um desconhecido. Certo é que, analisando hoje, parecia mesmo ter um tom irônico ou proposital no que eu falava. Contudo, a realidade é que eu era profundamente literal. Além de que eu não tinha noção da ‘esquisitice social’ de meus comentários.
A minha interação com outras pessoas, quase sempre adultas, me fez perceber o quanto eu era desagradável em meus comentários e observações. Nascia, nessa época, a necessidade intensa de agradar o outro. E essa exigência me acompanhou e se intensificou ao longo de minhas experiências. Comecei, então, a chamada camuflagem social no autismo.
Assim, o processo de camuflagem social é comum em pessoas que estão no TEA. Mas com um grau mais sutil. Desse modo, a camuflagem é um conjunto de estratégias. Elas são elaboradas para disfarçar características do autismo. Ou seja, são táticas que envolvem desde gestos e entonações da voz até a modulação de assuntos para uma conversa. Em geral, isso acontece, com a utilização de mecanismos de cópia. Por exemplo, ao copiar comportamentos de pessoas neurotípicas.
A camuflagem social, ou masking, é um mecanismo importante para a adaptação de autistas ao convívio social. Principalmente, quando se trata de um ambiente pouco acessível a diferenças. Contudo, esse esforço para agir conforme o esperado socialmente, pode contribuir para o surgimento ou piora de condições coexistentes. Como quadros de ansiedade ou depressão que podem se intensificar pelo esforço. O que gera um gasto acentuado de energia.
A professora do Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Ana Amélia Cardoso, explica que a camuflagem do autismo é mais comum nas mulheres. Ou seja, as meninas são criadas para atender às expectativas sociais. Embora homens autistas também possam usar a camuflagem de forma eficiente também. Mas as mulheres tendem a ter maior habilidade na percepção e no uso dessas estratégias.
A neuropsiquiatra Raquel Del Monde ressalta que mulheres costumam ser mais ágeis e eficazes na apreensão de habilidades sociais por meio da cópia. Isso por questões neurológicas ou por maior cobrança de socialização. Grupos de meninas, por exemplo, tendem a favorecer brincadeiras de mo delagem. Ou seja, situações em que amigas oferecem dicas e corrigem comportamentos considerados inadequados.
Mulheres autistas, assim, costumam ser mais extrovertidas. Além de atentas às reações de outras pessoas e mais preocupadas com as regras sociais. Assim, essa aparente facilidade na interação social acaba por dificultar o diagnóstico delas. Certamente também, porque o autismo no feminino apresenta características mais sutis. Embora não menos impactantes à vida da pessoa.
Eu sempre gostei de analisar as nuances e camadas que envolvem cada atitude das pessoas. Os comportamentos delas, ao meu redor, eram alvo de meu interesse. Assim como a reflexão sobre o que estava por trás de cada atitude. A verdade é que eu queria compreender o que não estava óbvio. Aliás, queria entender o que sequer, era comentado.
Então, eu anotava motivações. Ou questões mal resolvidas. E até os traços mais complexos da personalidade do outro. Eram aspectos que, muitas vezes, nem mesmo a pessoa percebia. Ou assumia.
Dessa maneira, criava “personagens” diferentes. Um para cada interação social. Antes, eu observava as características do grupo que queria me relacionar. Assim, eu detectava o que era esperado de mim. Além disso, traçava o perfil de de cada um deles.
O mais interessante é que eu chegava a reproduzir ideias das outras pessoas. Mesmo que discordasse delas. Meu objetivo era ganhar a simpatia de todos. Eu agia de forma inconsciente. É que tinha grande receio da rejeição.
Essa atitude foi marcante na minha pré-adolescência. Nessa época, colegas e familiares diziam que eu parecia ter mais de uma personalidade. Afinal, eu me adaptava às características do grupo social com que interagia. E essas turmas agiam, cada qual à sua maneira.
Escrevi o romance “Danielle, Asperger” em 2016. Nele, eu falo sobre essa camuflagem social. O livro é sobre uma adolescente autista. Ela sonha em se encontrar com a sua atriz favorita. A narrativa ficcional foi a oportunidade para minha reflexão, autocrítica e autoaceitação do autismo.
Até que ponto é interessante abraçarmos nossas características mais profundas? Como saber quando a adaptação é fundamental ao aprimoramento social? Como ter qualidade de vida? Esses são alguns dos questionamentos levantados na obra.
A busca pelo equilíbrio é constante. O verdadeiro caminho do meio não está no ponto médio entre eles. E sim, em conhecer e aplicar, com sabedoria, o melhor de cada extremo.
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Sophia, Boa noite.
Sou psicóloga judiciária e encontrei seu texto ao fazer uma pesquisa para compor um relatório de uma adolescente autista, que recentemente abandonou o masking.
Eu também sou a mãe da Stella, uma adolescente autista muito "assumida". Minha filhinha tem bastante dificuldade na compreensão de algumas questões e esse é um fato que me intriga. Vendo que você é uma mestranda em comunicação social, autista como minha filha, fiquei interessadíssima em saber mais sobre como foi sua jornada.
Se você se interessar em compartilhar sua experiência comigo, por favor, não deixe de entrar em contato. Acho que isso pode ser muito estimulante para minha filha e quem sabe, podemos trocar experiências.
Grande abraço,
Nádia
Olá, sou a Selma, mãe de Sophia. Ela está num momento meio complicado. Se vc desejar, pode entrar em contato por meu whatsapp 31 98896 6412.
Abraço,