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A Abstinência Emocional das mulheres TDAH

Mulheres com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) podem, em momentos de sua vida, começar a se afastar de parentes e de amigos queridos. A abstinência emocional, para ela, pode ser a solidão necessária. Mas poder ser uma fuga. Assim, eu mesma, me percebi em muitos momentos, achando bom quando um encontro com amigas era cancelado. Aliás, o alívio se repetia, quando havia uma desculpa, como febre. Assim, eu não precisaria ir a visitas a parentes. Mas como funciona a abstinência emocional das mulheres TDAH?

O silencio do sábado à noite traz paz. TDAH e solidão muitas vezes andam de mãos dadas. Portanto, a retirada estratégica é um mecanismo de enfrentamento de muitas mulheres com TDAH. Isso porque, aprendemos, com uma vida inteira de comportamentos ditos inadequados, que somos rejeitadas. Tudo porque somos julgadas, causamos decepção e sofremos bullying. Quebrar esse hábito insalubre, não é fácil.

Abstinência emocional é reação à sensibilidade à rejeição

Outro dia após uma entrevista, várias pessoas me procuraram para orientações. E, então, relataram detalhes íntimos de sua para uma estranha. Certamente, esperavam que eu as ajudasse, de alguma forma. Às vezes, quando respondo, o que não querem ouvir, ficam com raiva. Já sofri bastante com essas situações.

Percebem? Meu TDAH e a abstinência emocional decorrem da minha sensibilidade a possível rejeição. Ou, ainda, da disforia sensível à rejeição (DSR), que pode me levar a interpretar mal as situações. Dessa forma, transformo tudo em um referendo sobre mim. Então, posso me perceber como um ser humano horrível.

A abstinência emocional das mulheres TDAH

O caldeirão de emoções de culpa e raiva, vergonha e miséria pode ser, totalmente, avassalador. Portanto, eu me acalanto, em mim mesma. Por isso, me isolo emocionalmente.

Sei que não é um mecanismo de enfrentamento saudável. Ser psicóloga não me ajuda. Porém muitas vezes, é a única atitude que eu consigo ter. Afinal, a abstinência emocional que me leva a me retirar, é um comportamento que foi amargamente apreendido. Podemos apreender muito cedo, ainda meninas, quando nossos comportamentos não correspondem as expectativas da família. Nosso primeiro núcleo de rejeição.

Pistas sociais são desafio para pessoas TDAH

Às vezes, como mulheres TDAH podemos ser lentas para entender as pistas sociais. Isso vale, em comparação a outras garotas que parecem apreender bem mais fácil. Ou seja, mulheres com o TDAH são sempre sonhadoras e dispersas, raramente ancoradas emocionalmente, sempre alheias. Provavelmente porque, no aqui e agora, a realidade gira em torno de papéis esquecidos, prazos perdidos.

No entanto, as pessoas, especialmente as que menos deveriam, vivem exigindo que façamos melhor. Nossa desorganização, em si, pode nos tornar desprezíveis socialmente. Consequentemente, enquanto outras garotas na escola procuram se distanciar do garoto “mau”, nós não percebemos sua “malvadeza”. Resultado? Então, ele vem até nós. Geralmente, falamos impulsivamente, em momentos inapropriados. Assim, nosso jeito, como alguns insistem em apontar, atrair a atenção de um valentão.

Quando o ostracismo (abstinência emocional das mulheres TDAH) chega em nossas vidas

Por tudo isso, vamos sendo colocadas no ostracismo social. Claro, diferente das “meninas que são mais descoladas, e dos nossos irmãos que são melhores que nós”.

Desse modo, nós, meninas com TDAH, muitas vezes, nos vemos sendo ativamente intimidadas. Por exemplo, ninguém diz para uma menina sobre como agir melhor. Mas nos dizem para compreender, engolir, esquecer.

Se um garoto faz bullying, com uma menina, dirão “Oh, ele só está fazendo isso porque ele gosta de você.” Minha nossa! É o que basta para a preparação do palco das relações abusivas. Passamos a confundir os abusos com relacionamentos saudáveis, mais tarde, na vida adulta.

Aprendemos a nos culpar pelo nosso próprio ostracismo. Afinal, ele veio porque não éramos dignas de fazer parte de grupos sociais. Ou ser amiga das alunas populares. Nem na família há aplausos.

Por que aderimos à abstinência emocional

Aprendemos a não mais nos importar, porque cuidar, participar doí demais. E é assim que recuamos e nos recolhemos: quando chegam as provocações, o bullying e até os tapas recebidos. É real, esse distanciamento era o único mecanismo de enfrentamento que tínhamos.

Certamente, levamos a bagagem emocional do TDAH até a idade adulta. Nessa fase, a abstinência emocional envolve engarrafar emoções. Passamos a espelhar comportamentos e ferimos as pessoas que poderiam nos ajudar. Ou seja, estamos tão acostumados com a rejeição que aprendemos a antecipá-la. Da mesma forma que aprendemos a nos desconectar dos outros. Para isso, desenvolvemos outros mecanismos de enfrentamento nada saudáveis.

Então, a ideia do afastamento é o resultado de uma pessoa TDAH que não consegue lidar e aceitar a crítica. No senso comum, as pessoas acreditam que apontar suas deficiências ajuda você a ser uma pessoa melhor. Mas não. O resultado é nos sentirmos “não amadas”. Assim, nos recolhemos à nossa solidão. E nos retiramos de cena.

Adrianna Reis de Sá é psicóloga clínica. Professora universitária, ela é mestre em Bioética pela UnB e especialista em saúde mental e autismo. Estuda questões de gênero e direitos humanos. É palestrante sobre autismo feminino, direitos humanos e maternidade típica e atípica.

Mundo Autista

Ver Comentários

  • Eu me identifiquei completamente. Tenho 30 anos e descobri o TDAH aos 28. Agora estou sentindo melhoras na vida e tentando cuidar desse equilíbrio com muito custo. Então, acredito que desenvolvi conscientemente a abstinência emocional como forma de proteção. Sei que não é saudável, mas estou tentando ganhar outras "lutas" antes de dar atenção a isso, como minha questão profissional / financeira.

    Muito obrigada pelo texto e pela partilha.

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