Victor Mendonça
Ser autista é estar em processo constante de superação. A luta do aspie é sair do ciclo vicioso de depressão e ansiedade. Afinal, vivemos num meio que não traz as melhores circunstâncias para nós. É claro que todos fraquejamos, às vezes. Quando nos empenhamos em apresentar uma atitude positiva perante as dificuldades, entramos em um ciclo virtuoso. Fica mais difícil de se desviar do caminho certo. Porém, há sempre os fatores externos que podem nos desviar desse caminho. No Budismo de Nichiren Daishonin, eles são chamados de “ventos”.
Os “ventos” tem esse nome justamente por serem fatores que podem tirar as pessoas de seu percurso contra a vontade delas. Isso, se elas não estiverem fortalecidas. O que precisamos é de uma força interior que não nos deixe abalar por esses fatores externos. Existem dois tipos de ventos: os negativos e os positivos. Sim, porque até mesmo as alegrias da vida, se não forem bem administradas, podem levar o aspie à ruína.
Em momentos de extremo sofrimento, é fácil perder as esperanças. Ainda mais quando se tem um diagnóstico como autismo na família. As crises do autista geralmente acontecem porque não há uma troca de diálogo entre ele e o mundo. Assim, fica difícil para aspies e auties entenderem neurotípicos e vice-versa. A nossa autopercepção não é boa, às vezes não conseguimos descrever algo que nos faz mal. Coisas simples como uma pequena doença ou um problema na escola. Sem ninguém entender o que está acontecendo, é realmente difícil solucionar o problema. Ás vezes, chega até um ponto em que os familiares passam a temer pelo futuro da criança. Antes que isso aconteça, é bom exercitar a comunicação e encontrar um meio de o autista se expressar. Em muitos casos, a ajuda de um bom terapeuta é importante.
E quando o comportamento peculiar do aspie começa a incomodar os outros? Aí vem a censura. Sempre serei a favor de que o autista seja fiel às características dele. Admiro muito a sinceridade de pessoas no espectro. Porém, para mim ela só tem valor quando apresenta algo de construtivo para transformar a realidade. Cabe ao responsável pela criança mostrar isso a ela, sem que ela seja exposta na frente dos outros. O peso da censura é muito forte. Para os aspies que convivem com isso, o melhor é não se importar tanto com a opinião dos outros. Ainda assim, como é através do diálogo e do conflito que a gente aprende, devemos saber filtrar essas críticas. Quem sabe não tiramos algo de construtivo delas?
O elogio pode ser tão destrutivo quanto a censura. Muitas pessoas tentam estimular os aspies com elogios e enfiam os pés pelas mãos. Eles começam a acreditar não ter certas limitações da síndrome. Assim, não veem motivo para trabalhar essas características e se aprimorarem como seres humanos. Quando experimentam a desgraça, não conseguem entender porque essas dificuldades aparecem. Fica difícil lidar com elas dessa forma.
Como todo mundo, o autista tem talento. Mais ainda: tem uma forma diferente de colocar esse talento em prática. Até por causa do hiperfoco, quando somos bons em algo, somos muito bons mesmo. Treinamos para isso. Quando o autista começa a prosperar, é preciso evitar a arrogância. Como se pelo fato de dominar determinado assunto, ele fosse superior aos outros. Ainda mais quando conquistamos honra, um certo status por causa de nossos talentos. Na vida, porém, tudo muda e se transforma. Podemos experimentar o declínio. E quando ele vem, geralmente a nossa resistência à frustração é baixa. Por isso, é importante manter os pés no chão com relação aos rumos que a nossa vida pode tomar. A vida é feita de vitórias e fracassos. Precisamos saber lidar com isso. Mesmo o prazer, o entusiasmo exagerado pode nos levar a tomar decisões equivocadas.
É muita coisa para ficarmos atentos, não é mesmo? E às vezes é até natural ficarmos nos policiando. Mas na prática, é apenas um exercício de autopercepção diário. Que, dessa forma, possamos conquistar uma felicidade duradoura, que não dependa dos “ventos” ao nosso redor.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.
“Admiro muito a sinceridade de pessoas no espectro. Porém, para mim ela só tem valor quando apresenta algo de construtivo para transformar a realidade.”. Eu até concordaria com esse ponto se isso fosse estendido para as pessoas neurotipicas, também. Ou seja, dá a entender que o asperger só pode usar a sinceridade se for para beneficiar as pessoas em geral, caso contrário a sinceridade não é bem vinda… Em um mundo onde todos têm o direito à voz, cada uma fala o que bem entender, sendo todos muitos “sinceros” (ou seja, usando a palavra “sinceridade” para exprimir um pensamento muito particular que tem a pretensão de ser verdadeiro), não há motivos para que do/da aspie seja exigido que só seja sincero quando for para “transformar a realidade”, ainda mais quando não consegue controlar isso. Que bom que todos, aspie e neutoripicos, só fossem sinceros quando fosse para construir algo bom, mas não é assim. Aliás, é bom escutar a sinceridade do aspie pois, por mais desconfortável que ela seja, geralmente são comentários tecidos por uma análise bem mais aprofundada e refletida, que supera o raso do senso comum.