Crônica sobre rótulos de funcionamento no autismo: ‘Eu sou o diagnóstico de Asperger do João’ - O Mundo Autista
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Crônica sobre rótulos de funcionamento no autismo: ‘Eu sou o diagnóstico de Asperger do João’

Texto original aqui.

Tradução: Amanda Paschoal

Eu sou o diagnóstico de Asperger do João. [Também posso ser chamado de autismo leve ou autismo de alto funcionamento]. Eu sirvo a muitos propósitos para pessoas que gostam de discutir sobre o João. O que eu faço pelo próprio João é menos claro, dependendo muitas vezes, do ponto de vista do João. Eu me anexo ao diagnóstico de João durante a avaliação diagnóstica, que pode ocorrer em qualquer ponto da vida do João, embora a primeira infância seja melhor, se João deseja ser levado a sério. Ligado firmemente ao laudo de Asperger [ou autismo] do João, tenho o poder de fazer o Autismo de João “leve” ou menos real. (Favor notar: Mesmo que eu não seja uma parte oficial do diagnóstico, isso não me torna menos real.)

Nas discussões de João, você pode ouvir que João Não É Como Meu Filho (NECMF). NECMF é simplesmente outro nome para Asperger. João, como outras pessoas com esta forma de autismo, não se auto-agridem. João pode ter um histórico de tentativas de suicídio. João pode ter os órgãos vitais danificados de anos de alcoolismo. João pode ter cicatrizes de se queimar ou se cortar. Isso tudo não conta. João é Asperger; Portanto, essas coisas não têm nada a ver com o autismo. João realmente deveria saber. Embora ele possa ter batido a cabeça, mordido e puxado os cabelos até arrancar quando criança, João não faz mais essas coisas (pelo menos não que alguém saiba).

João tem um nível adequado de independência. O medo de João de despejo devido à sua incapacidade de jogar qualquer coisa fora é um resultado da preguiça de João, não o autismo dele. O medo que João tem de repercussões legais devido às contas que ele se esqueceu de pagar são sinais da irresponsabilidade dele. As pessoas com Autismo DE VERDADE não possuem habilidades de independência em um nível mais fundamental. João se lembra de ir ao banheiro quase sempre que deveria. João prepara refeições para si mesmo diariamente. Por favor, não me peça para ser mais específico. A Deficiência Nutricional de João não é minha culpa.

João pode se comunicar bem digitando. Como parte do rotulo de funcionamento do João, uma das minhas responsabilidades é garantir que João não use esta habilidade para falar sobre Autismo. Às vezes falho nisso, e nesses casos, João pode ser submetido a duras críticas, ridicularização ou mesmo ameaças por ter esquecido que ele é NECMF.

Às vezes, eu impeço que João tenha acesso as acomodações necessárias na escola e mais tarde no local de trabalho. Muitas vezes, João estará desempregado como um adulto. Às vezes, ele estará subempregado, trabalhando em empregos de baixa remuneração que não envolvem seus interesses ou fazem uso de suas habilidades. João pode interpretar mal as instruções ou encontrar-se incapaz de quebrar padrões ineficientes, mesmo quando avisado pelo seu empregador. João pode ter dificuldades em se relacionar com colegas de trabalho, encontrando-se rapidamente sem aliados. Ele pode interpretar erroneamente a cultura do negócio para o qual trabalha, fazendo observações que são “inapropriadas” ou não aparecer no Evento Social Opcionalmente Requerido.

Quando João é demitido, eu estou lá para lembrar a ele (e a todos os outros) que esta é sua própria culpa. Quando João protesta para falar que a falha do empregador para acomodar seu Autismo pode ser pelo menos uma parte do problema, todo mundo olha para mim com descrença. Sou a evidência de que João não precisava de nada. Eu sou o diagnóstico de Asperger do João.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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