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Autista diagnosticada aos 28 anos ganha na Justiça tratamento pelo plano de saúde

Selma Sueli Silva

Plano de saúde foi obrigado a custear todas as despesas em terapias indicadas pela médica da jovem: cerca de mil reais por mês.

Giulia, pseudônimo da autista de 28 anos, é funcionária pública em Santo André, São Paulo. Ela tinha um interesse: saber mais sobre o Transtorno do espectro do autismo. Ela acreditava que só existia o autismo clássico. No entanto, percebia em si algumas características e passou a buscar por informações sobre outros tipos de autismo.

Foi assim que ela chegou ao MUNDO AUTISTA, e conta: “Fiquei feliz por conhecer MUITAS pessoas parecidas comigo, que têm as mesmas dificuldades e sentem as mesmas coisas. De certa forma, me ‘encaixei”.

Com a leitura sobre o TEA, Giulia se surpreendeu: “Descobri que durante a minha vida inteira tentei mascarar meu autismo. Sempre observei muito as pessoas, e tentei ser como elas. Eu absorvo vocabulário e discursos, tons de voz, risadas, comportamentos e expressões faciais. Descobri meus rituais e meu enorme apego à rotina e temas não muito comuns”.

O diagnóstico veio no início de 2019

Giulia explica que por muitos anos buscou saber o que a tornava diferente. E relata: “Eu tinha uma sensação ruim na cabeça e nos ouvidos e passei por diversos médicos: otorrinos, neurologistas, psiquiatras, alergistas…”. Além disso, Giulia fez vários exames, desde os de sangue até os de imagens, mas nunca descobriram o motivo de seu mal estar.

Giulia havia até desistido e se conformado com a falta de explicação para o que ela sentia. Mas ela trabalhava em uma escola pública, e a professora responsável pelas crianças com deficiência notou “traços autistas” na colega.

Nesta época, Giulia fazia psicoterapia pelo plano de saúde e comentou com a psicóloga. A profissional, no entanto, disse ter certeza de que ela não era autista. Meses depois, Giulia resolveu trocar de psicólogo. Este segundo profissional, consulta fora do convênio médico, disse que sim, “parecia” que a paciente era, mas ele achava que não. Com o avanço do tratamento, entretanto, veio a confirmação.

Os tratamentos

Atualmente, Giulia faz psicoterapia semanal. E foi recomendada ainda fonoterapia em cabine, por causa da sensibilidade auditiva e DPAC ou Distúrbio de Processamento Auditivo Central. O PA – Processamento Auditivo é a maneira como o sistema auditivo e, portanto, o sistema nervoso, recebe, analisa e utiliza a informação auditiva. Ele se relaciona ao quanto eficaz é o cérebro no processamento do que foi ouvido e no desenvolvimento das seguintes habilidades: localização e laterização; reconhecimento do padrão auditivo; discriminação auditiva; discriminação temporal; performance auditiva.

A funcionária pública deverá ainda fazer a integração sensorial por causa de sua hipersensibilidade sensorial. A Integração Sensorial é uma técnica de tratamento que foi preconizada pela terapeuta ocupacional americana Jean Ayres. A terapeuta define a integração sensorial como sendo a organização de informações sensoriais, proveniente de diferentes canais sensoriais e a habilidade de relacionar estímulos de um canal a outro, de forma a emitir uma resposta adaptativa.

Custo dos Tratamentos e o Plano de Saúde

Giulia explica que para conseguir fazer tudo o que foi indicada por sua médica. Gastaria cerca de mil reais mensais. Mas ela explica que, ao solicitar esses tratamentos, o plano de saúde negou de imediato.

Ela não encontrou os profissionais necessários ao tratamento na rede credenciada de seu plano. A fonoaudióloga foi até autorizada, mas Giulia conta que “autorizaram para um local completamente inacessível – a 30 quilômetros de distância de minha casa. E só liberavam quatro sessões de 30 minutos por mês”.

Solicitação do tratamento na Justiça

Diante da negativa, Giulia guardou todos os documentos que comprovaram que ela havia entrado em contato com o convênio: e-mails com solicitação de profissional, protocolos do SAC e ouvidoria, declaração de comparecimento (para provar que tentou fazer o tratamento pelo convênio, mas os profissionais não eram capacitados para sua necessidade). Ela guardou ainda todas as notas fiscais comprovando que estava sendo forçada a pagar pela rede particular.

Tramitação do processo

Giulia descreve os passos seguidos por ela: “Eu entrei com advogado da Defensoria Pública, tive alguns contratempos na ação e tivemos que ir ‘remendando’ aos poucos. A liminar saiu em dois dias, mas o convênio disponibilizou clínica em outra cidade. Acontece que eu tenho problemas com transporte público, exatamente devido à minha desordem sensorial, e por isso não fui”.

A sentença saiu em seis meses e condenava o Plano de Saúde a custear todo o tratamento em local acessível (conforme relatório médico). Para isso, deveria ser credenciada clínica especializada em TEA na cidade de Giulia (Santo André – SP) ou, caso o credenciamento fosse um processo demorado, o plano deveria reembolsar Giulia, mensalmente e integralmente, pelos custos das terapias com os profissionais particulares.

A vida antes do diagnóstico

A professora Giulia conta que sofreu bastante com a hipersensibilidade sensorial. É que ela se esforçava para ficar em determinados locais, mas passava muito mal em locais barulhentos, quentes ou muito claros. Ela relembra: “Meu ouvido tentava captar todos os sons do ambiente e eu ficava tonta… isso me desorganizava e tinha a necessidade de me movimentar para ‘localizar meu corpo no espaço’. Foi então que associei isso aos relatos da minha mãe, que dizia que quando eu era bebê os médicos fizeram acompanhamento por meses, pois achavam que eu fosse surda”.

Depois do diagnóstico, uma nova vida aos 28 anos

Giulia descobriu depois do diagnóstico que a dificuldade na comunicação e na interação social estavam interligadas. Tudo passou a fazer sentido. Perguntas sem respostas começaram, então, a serem respondidas.

O sofrimento de ter o pedido de indicação ao plano de saúde de um especialista que atendesse adulto e ouvir uma negativa, finalmente se amenizara. Foi um caminho de muita luta que chegava ao fim. Ainda assim, mesmo buscando muito por respostas, Giulia passou pela fase do ‘luto’. Ela enfatiza que demorou “uns seis meses para assimilar que eu era autista e conseguir falar sobre isso sem me emocionar”.

As perdas e os ganhos com a descoberta

Giulia conta que acreditava que iria morrer sem descobrir o que ela tinha, e isso a deixava muito triste. E só piorava quando ela tentava explicar o que sentia, mas tinha dificuldade para se expressar. Quanto mais tentava, menos as pessoas, que a cercavam, entendiam. Nem mesmo ela se entendia. Para ela, é doído saber que perdeu a chance de receber estímulos desde cedo, com acompanhamento de fonoaudióloga e terapeuta ocupacional. Para ela, “era muito pesado tentar viver e fazer tudo como as demais pessoas faziam, meu sensorial não suportava tantos estímulos e frequentemente eu me frustrava”.

Como será daqui para frente

Giulia, hoje, está mais leve. Ela acredita que daqui para frente tudo será melhor. E explica: “Agora tenho um ‘norte’ e terei profissionais para me auxiliar em minhas limitações. Quero deixar para trás os preconceitos sofridos durante essa caminhada, como certa vez em que um médico gritou comigo ao afirmar que eu não tinha nada”. E ela completa num desabafo: “Eu só queria descobrir o motivo de me sentir tão diferente”.

Recado aos adultos e crianças que ainda não têm diagnóstico

Giulia pede para os adultos que buscam o diagnóstico: “Não desistam”. E para as famílias que estão descobrindo seus filhos autistas agora, Giulia recomenda: “Não neguem o diagnóstico à criança e nem neguem quando ele for fechado. O diagnostico formal abre oportunidades para que elas possam ter tratamento adequado, auxílio na escola e adaptações”.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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