Selma Sueli Silva e dr Luís Renato Arêas
Muitas pessoas possuem dificuldades para comprar um remédio vital para um tratamento de uma doença ou até para uso contínuo. Como conseguir o remédio pelo SUS? O que fazer e como fazer para obter o remédio? Doutor Luís Renato explica o que fazer nesses casos.
Selma Sueli Silva: Nos encontros passados, o senhor falou sobre a pandemia e sobre os direitos a prioridade na pandemia e agora, doutor Renato, eu quero saber: quais são os medicamentos que o SUS é obrigado a fornecer e se a mãe de uma pessoa autista não tiver conseguido esse medicamento no SUS, ela pode fazer alguma coisa? Como isso funciona, doutor ?
Doutor Luís Renato Arêas: Esse é um caso bem complexo, independente de pessoa com deficiência. Para qualquer pessoa conseguir um medicamento, independentemente da deficiência, porque não é um direito exclusivo da pessoa com deficiência, é um direito de todo cidadão. Já citamos, aqui, a Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146, de 2015), da pessoa com deficiência e o fornecimento dos medicamentos, pois é um direito do cidadão receber os medicamentos necessários para os tratamentos.
O SUS tem uma lista de medicamentos, mas, no caso de não estar na lista do SUS, não necessariamente tem que ter a negativa. Cada caso tem que ser avaliado. Por quê? Por exemplo: pode ser que tenha um medicamento X na lista do SUS. Mas, essa pessoa ou qualquer pessoa, tem alergia a esse tipo de medicamento X e precisa realizar um medicamento Y para tratar a mesma coisa e que não está previsto na lista do SUS. Não é lícito ao SUS negar esse remédio para a pessoa. Então, ele deve fornecer, porque de acordo com uma necessidade pessoal dela, do organismo dela, ela não consegue usar o remédio que está ali, prescrito pelo SUS. Isso ocorre muito em casos do autismo, a necessidade até de você ter um remédio internacional, que não tem uma previsão no Brasil, de fabricação. Então, há a obrigação de o SUS de fornecer. Quem vai saber isso é o médico. É necessário que o médico faça um relatório pormenorizado, bem detalhado: “olha, não pode tomar o remédio X porque dá uma alergia tal, ele não consegue desenvolver com esse remédio. Por isso, precisa do remédio Y, apesar de não estar na lista do SUS”.
Então, é bem complexo responder essa pergunta de que remédio que está e qual não está. Do autismo, eu posso dizer de cara que esse é um caso recorrente esse sobre a risperidona. A risperidona**, recentemente, entrou no hall do SUS e era um problema antigo, pois as pessoas não conseguiam o remédio e ele é muito usado para os casos do autismo, principalmente para as questões sensoriais, de controle emocional, de auto agressão, uma série de questões, mas eu não sou médico para detalhar. Mas, a risperidona entrou no hall do SUS e não se discute mais. Mas, pode ocorrer de precisar de algum outro medicamento que não está no hall do SUS, então é obrigatório o pagamento pelo Município e pelo Estado. Aí, você vai me perguntar: “Doutor, como que consegue isso?”.
A responsabilidade pelo pagamento dos remédios, ela é solidária. Quando eu falo solidária, ela é solidária conjunta: quanto por uma, quanto pela outra, não é só de uma ou só de outro, é dos dois: você pode acionar as duas esferas, o Estado e o Município. Então, o estado de Minas Gerais, especificamente, tem a Farmácia de Minas***, que vale a pena pesquisar, é parte da secretaria de saúde responsável pelo fornecimento do remédio. “Ah, mas e aquela pessoa que está no município distante, que não está em BH e região metropolitana ?”. Tem que procurar a secretaria de saúde do município. Quem está em BH, deve também procurar a secretaria de saúde do município. Eu falo que tem que procurar todo mundo, a gente quer é o remédio. Procure e eles têm que fazer o fornecimento desse remédio, e fazer de forma continuada. O médico tem que fazer a prescrição do remédio de forma adequada, falando da periodicidade desse remédio, porque a partir do encaminhamento para a secretaria de saúde, eles vão fazendo a compra e colocando, mantendo a disposição do cidadão. Essa é uma prática comum. Eu já trabalhei em uma secretaria especializada da saúde em Betim e atuava nessa questão da saúde, é muito comum você presenciar desde a negativa do remédio até a descontinuidade do fornecimento. Como é que funciona: às vezes, negou, você consegue na justiça. Infelizmente, às vezes, quando não está na lista do SUS, é preciso judicializar, mas quando você judicializa, o judiciário obriga o Estado ou o município a fornecer o remédio, fornece o remédio, dá uma caixa acaba a caixa e não fornece de novo. Então, ainda há esses problemas.
A Defensoria de Minas (DPMG) tem uma cooperação com a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG), o que facilita um pouco em Belo Horizonte, mas a DPMG não está em todas as cidades de Minas Gerais, então ainda há essa dificuldade. Mas, o importante é que as pessoas entendam que é direito esse remédio e, mesmo se houver uma negativa com esse fundamento de que não está na lista do SUS, deve se procurar um médico para saber se há um outro remédio que está na lista. Se tiver algum outro remédio que está na lista do SUS e é adequado para o tratamento ótimo, resolvido o problema, o SUS fornece. Se não tiver, e tiver alguma justificativa, como eu disse alergia ou ineficácia para outra pessoa, aí sim, o SUS deve fornecer mesmo que não estiver na sua lista, mesmo que ele tenha que comprar esse remédio, isso é muito usual. E isso acontece muito no autismo: o autismo é um espectro. Então, o remédio que serve para o fulano, não serve para o ciclano
e a gente tem que observar muito isso. E isso é bom que as pessoas saibam, que é um direito ter esse tipo de fornecimento de remédio.Selma Sueli Silva: Doutor Renato, muitas pessoas que nos veem, e estão por esse Brasil afora, perguntam: “Como que eu posso acionar a Justiça? Não tenho dinheiro”. Todo o município vai ter uma defensoria pública ou ministério público ou então alguma comarca próxima?
Doutor Luís Renato Arêas: Sim. A defensoria, infelizmente, aqui em Minas está presente em 30% das comarcas, apenas. Enfim, é uma luta institucional muito grande para ter a instituição valorizada e para que o acesso à Justiça chegue a todo cidadão. Mas, nós já temos o Ministério Público melhor estruturado. Então, tem uma promotoriano município, ou dentro de uma comarca. Se não tiver uma Defensoria Pública, procure um Ministério Público. São essas as alternativas para o cidadão carente. Aquela pessoa que tem condição de contratar um advogado, procure um advogado de confiança, mas sempre você vai ter uma estrutura de Estado, seja da defensoria, ou do Ministério Público. Eu oriento a pessoa a procurar uma dessas instituições para verificar essa questão do fornecimento do remédio. Porque, às vezes, não há a necessidade de entrar com a ação judicial. Pode ser que, o defensor público ou promotor de justiça, dentre as suas atribuições legais, possam expedir uma recomendação, uma requisição e o Estado ou município pode cumprir sem precisar da ação judicial. Então, que o cidadão primeiro saiba dos seus direitos, saiba como acessar os seus direitos. É perfeita a sua colocação: procurar a defensoria, procurar o Ministério Público e dar vazão a necessidade que seja regulado todos os seus direitos.
Selma Sueli Silva: E de qualquer maneira, a defensoria pública, os defensores do Brasil todo, estão muito preocupados com a questão de resguardar os direitos do brasileiro. O senhor faz parte de uma comissão a respeito disso.
Doutor Luís Renato Arêas: Essa é a Comissão Nacional do Direito da Pessoa com Deficiência, da Associação das Defensoras e Defensores Públicos, a ANADEP. Atualmente, eu sou coordenador adjunto desta comissão, a nossa coordenadora é a doutora Renata Tibiriça, que é a coordenadora de núcleo da pessoa com deficiência e idoso de São Paulo e mais representantes da defensoria pública do Brasil inteiro. E é isso o que você falou: a defensoria não se atém a casos individuais. A ideia é que, até mesmo na comissão nacional, que a gente traga a conscientização dos direitos e que as pessoas possam compreender que elas podem por si só correr atrás daquilo que lhes é de direito. A gente fala que é a emancipação jurídica da pessoa, que ela saiba como correr atrás, buscar os seus direitos. Então, a comissão faz esse trabalho através da conscientização de direitos, de palestras, seminários, elaboração de documentos em conjunto nas diversas esferas.
O que nós queremos é que, como você me conhece e sabe que eu acredito nesse trabalho de mediação, conciliação, de conscientização de direitos, nós queremos que as pessoas se convençam por si só. Você pode ser um catalisador, um mediador para o convencimento daquela pessoa. E assim que eu acho que pode ser, porque é mais um parceiro na luta desses direitos, ao invés da imposição pura e simples como dever legal. E esse é um papel importante da defensoria e dessa comissão. A gente busca através de uma conscientização global o entendimento sobre cada pessoa, cada caso na sua individualidade, seja de onde esteja: pode ser daqui de Belo Horizonte, pode ser do Vale do Mucuri, Vale do Jequitinhonha, pode ser do Sul de Minas, no Acre, em Rondônia, no sul do país, a comissão é nacional. E é interessante, Selma, porque várias práticas de outros estados, que a gente sequer sabia, a gente consegue compartilhar e aplicar dentro da sua localidade, dentro da sua região. Então, já tivemos várias práticas de alguns defensores de outros estados que a gente conseguiu implementar e sugerir aqui em Minas Gerais e vice-versa. Então, é importante que a gente tenha essa conscientização global.
**risperidona: A risperidona pertence a uma classe de medicamentos denominados antipsicóticos atípicos. Sua função é ajudar a restaurar o equilíbrio de neurotransmissores no cérebro.
***Farmácia de Minas: as unidades da rede Farmácia de Minas atendem regiões do Estado, dispensando medicamentos, gratuitamente, à população. Em Belo Horizonte, o endereço fica na Av. do Contorno, 8495, bairro Santo Agostinho. Telefone: (31) 3244-9400.
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