Os desafios da Educação Inclusiva - O Mundo Autista
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Os desafios da Educação Inclusiva

Victor Mendonça, Selma Sueli Silva e Ludmilla Soares

Selma: Em nossas andanças do Mundo Asperger, encontramos de repente a Ludmila Soares.

Victor: Estamos muito honrados por tê-la no canal.
Selma: E descobrimos que muitas pessoas acreditam e fazem as coisas acontecerem. Ludmila é de Contagem, mas é ela que irá contar para a gente o que faz lá.

Ludmila Soares: Olá Victor e Selma. É um prazer muito grande estar no canal do Mundo Asperger, gravando com vocês, e agradeço essa oportunidade. Eu sou superintendente de educação inclusiva da rede municipal de Contagem. Hoje eu acompanho o atendimento educacional de 1800 estudantes com deficiência, matriculados na educação básica do município, desde educação infantil, ensino fundamental e a EJA (Ensino de Jovens e Adultos).

Victor: Que bacana, Ludmila! E pensando nisso, quais são os maiores desafios que você encontra nesta sua linda missão?
Ludmila Soares: Os desafios são inúmeros, eu acho que o principal é a transposição de barreiras atitudinais. Hoje a questão da acessibilidade, essa palavrinha que está tão na moda, temos que pensar assim como um tempo. Não só acessibilidade da nossa rede física, ou seja, de dar acesso aos ambientes de aprendizagem na escola, com construções de rampa, adaptações em banheiros e elevadores acessíveis, mas principalmente o acesso aos conteúdos pedagógicos, às aprendizagens e à ampla participação desse estudante em toda oferta educacional da nossa rede, atividades de educação física, científicas, culturais e sociais. Essa é a inclusão que a gente acredita, inclusive, a inclusão efetiva não é só matricular o estudante na escola, é garantir que ele tenha acesso a toda nossa oferta.

Selma: A família que ouve isso pensa assim: “Bonito no Mundo Asperger, mas vai lá ver minha realidade”. Mas, gente, existe. Estamos começando, mas já fazemos muita coisa. Quais são suas conquistas neste projeto?

Ludmila Soares: Na verdade, a educação inclusiva é um processo histórico-social que já vem acontecendo na nossa rede desde 2005, mas, a partir de junho de 2018, na nossa gestão, realmente a gente avança muito com algumas questões bastante pontuais. Recentemente, nos fizemos três grandes entregas para a rede. A questão da construção do PDI (Plano de Desenvolvimento Individual) do estudante com deficiência, que é um importante instrumento pedagógico, é o diário de bordo do professor que vai dar as diretrizes para desenvolver as habilidades e competências que os estudantes já têm, algo que vamos potencializar com estratégias e práticas pedagógicas inclusivas. A questão hoje da avaliação adaptada, que também é um direito garantido por lei, a própria LBI e LDB… Todos os nossos estudantes terão realmente provas do trimestre e provas finais com as adaptações necessárias, de acordo com a sua necessidade especial de educação.

E mais recentemente houve a entrega de uma tecnologia assistiva, o equipamento TICs, que nós também conseguimos adquirir agora e que var dar um “up” nas aprendizagens. Aquele aluno que estava na invisibilidade, na falta de comunicação, que estava num processo muito restrito de desenvolvimento, agora vai poder liberar seus talentos e mostrar a todos.

Selma: O pessoal não deve saber direitinho o que é…

Ludmila Soares: O TICs?

Selma: Isso.

Ludmila Soares: É uma tecnologia, na verdade, um teclado inteligente que potencializa a aprendizagem do estudante com deficiência a partir de recursos. É um software educacional que facilita o acesso aos conteúdos pedagógicos a partir do que a gente planeja no PDI. Então fechamos um ciclo, o PDI faz um planejamento pró-atendimento, a avaliação para a gente monitorar o desenvolvimento dessas habilidades, do estudante com ele mesmo, não comparando com os pares de idade dentro de um currículo engessado, mas com uma flexibilidade para gente potencializar esses talentos e competências de acordo com o foco de interesse desse estudante principalmente, e a tecnologia que vem dar um suporte, uma ferramenta importante nesse processo.

Selma: O professor (a) está na sala de aula e pensa “Nossa, como eu faço? Não tenho ferramentas”. Só que a gestão existe para isso, porque a LBI (Lei Brasileira de Inclusão) contempla e assegura uma série de responsabilidades do Estado e do poder público que a gente, como não conhece direito, não aciona. O professor não aciona. Daí a importância de uma gestora da inclusão, para fazer acontecer a inclusão dentro das escolas.

Victor: Sim. Por isso, Ludmila, antes da inclusão acontecer na sala de aula, ela deve passar pela gestão da inclusão.

Ludmila Soares: Eu não penso que seja antes, Victor. É um processo concomitante. Eu penso que o grande desafio é você efetivar a política pública de educação inclusiva. Nós já temos no Brasil um ordenamento jurídico, um aparato legal que garante o direito. Do ponto de vista do ministério da Educação, temos várias ações de políticas públicas para a política nacional de educação especial com foco no estudante com deficiência. Mas, a efetividade dessas políticas se dá no dia-a-dia da gestão escolar. E ai realmente nós precisaríamos avaliar hoje o papel do MEC, dos municípios, sobretudo na questão do financiamento. Nós estamos vivendo ainda um período de transição do atual governo federal, e nós ainda não tivemos por parte da secretária de educação especial as diretrizes e avanços, principalmente na questão de financiamentos e custeio. Para vocês terem ideia do que eu estou dizendo, de julho de 2018 ao momento atual, nós abrimos no município mais seis salas de atendimento educacional especializado, seis salas de recursos multifuncionais, exclusivamente com recurso ROT (Recurso Ordinário Tesouro Municipal), sem um real do FNDE. O governo federal não está subsidiando a inclusão. Nós recebemos a per capita em duplicidade, do estudante com deficiência, mas R$ 4100 por ano, e inclusão é algo caro.

Selma: Um investimento importante, mas que demanda recursos.

Ludmila Soares: Exatamente. Existe hoje, no município de Contagem, uma sensibilidade por parte dos gestores, do prefeito, da secretaria de educação, que estão viabilizando essas ações, porque, realmente, abrir cinco salas… Nós tínhamos 20 salas… E agora são 25 salas, em 15 anos de inclusão. Em um ano nós abrimos mais cinco, nós temos avançado a passos largos.

Selma: Mas então percebam, é muito bonito o discurso, o que o poder público vem fazendo. Mas na hora de mandar o dinheiro, não manda. Muitos municípios com certeza estão nos vendo agora. Ludmila, que dica você poderia dar para acelerar isso no município vizinho?

Ludmila Soares: Na verdade, hoje o Brasil passa por uma grande crise econômica, financeira e orçamentária. Os pequenos municípios estão praticamente falidos. Eu acho que um bom caminho são as parcerias. Quando a gente consegue construir uma rede de parceiros robusta, de pessoas do bem, de instituições e entidades que tenham o olhar da inclusão, a gente consegue realizar muitas coisas. É óbvio que nós não podemos tirar a responsabilidade do poder público, o investimento maior tem que ser do Estado. Mas muitas ações nós conseguimos efetivar em uma rede de parceria.
Victor: Você já conquistou isso e nós ficamos felizes de ter conquistado você também. Uma coisa interessante, se pensando em inclusão, é como ela acontece de maneira mais afetiva quando existe parceria entre escola, família, todo esse contexto de participação. Então, para as famílias que estão tentando a inclusão, qual seria a sua dica?

Ludmila Soares: Victor, você tocou num ponto chave. Como eu disse, a inclusão é complexa e desafiadora, exige muito investimento, mas exige principalmente empatia, compaixão, o olhar para o próximo, e quando a gente consegue fortalecer a parceria família e escola, conseguimos realizar um trabalho muito mais efetivo. Quando a família entende que a escola, dentro do seu contexto de instituição educacional, também tem um objetivo com esse estudante, que também é o filho, e que ambos estão olhando para a mesma direção. A família tem que estar próxima, participando, participando inclusive da construção do PDI. A escuta da família é muito importante, estar em projetos que a escola desenvolve e conhecer a proposta pedagógica da escola. Muitas vezes a escola erra, em muitos momentos chama a família só para dizer as coisas ruins, o que seu filho não deu conta e não alcançou. Nós temos que quebrar esse paradigma, mudar um pouco essa chavinha, e trazer realmente a família para uma parceria positiva com a escola. E por outro lado também os profissionais de educação entenderem qual é o lugar da família nesse processo educacional, porque muitas vezes não conseguem acessar essa família, o mesmo pedagogo ou dirigente escolar. A escola ainda trabalha muito numa perspectiva de meritocracia, punição, você não alcança determinado resultado e então não está apto. Eu falo que a gente precisa construir uma nova proposta de educação no país e de maneira mais ampla.

Victor: Uma nova mentalidade, né?

Ludmila Soares: Exatamente.

Selma: Com sua experiência, quando se fala, pensa e age em educação, o que não pode acontecer de jeito nenhum?

Ludmila Soares: Exclusão, discriminação, preconceito… Eu acho que a educação, e obviamente esta é uma frase já muito conhecida, muda pessoas e as pessoas mudam as outras. A educação tem um papel muito importante na formação do sujeito e do cidadão. Hoje eu costumo dizer que nós temos dois tipos de professores na nossa rede: aquele educador vocacionado para a educação, que se envolve nos projetos, que tem identidade com a escola e com a comunidade, e o outro que é vendedor de aula; é aquele que vai lá, cumpre seu horário, recebe seu salário no final do mês e não se preocupa com questões além daquele currículo pedagógico engessado em que ele tem que cumprir determinado conteúdo. Então, realmente precisamos rever essas questões. A escola, hoje, está sendo ressignificada pela sociedade, é muito mais do que uma instituição de escolarização. Hoje é lugar de mediação de conflitos, acolhimento das famílias, apoio socioemocional, psicológico, nós atendemos o público mais vulnerável da cidade. Somos escola pública, rede pública. É porta aberta, não tem seleção, o acesso é universal. Precisamos ter esse olhar mais humanizado para o nosso público, enxergando o sujeito de uma forma holística, além das suas competências pedagógicas.

Victor: Encanta que mesmo falando de tantos desafios você mantenha um brilho no olho. É isso o que eu sempre admirei em pessoas que trabalham com a educação. Pensando nisso, o que mais encanta na inclusão?

Ludmila Soares: As possibilidades. Quando nós conseguimos enxergar as possibilidades, em vez das limitações, e quando investimos nessas possibilidades. Um exemplo que nós tivemos agora em relação à educação física, que é um projeto que estamos desenvolvendo na rede, educação física inclusiva. Nós mandamos três estudantes de inclusão para o JEMG (Jogos Estudantis de Minas Gerais), em julho, e os três voltaram medalhistas. Medalha de ouro de bocha, medalha de prata no arremesso de peso e medalha de bronze. Então a gente precisa investir nesses estudantes, porque eles têm talento, são capazes, e quando a gente acredita e investe nisso, nós colhemos os frutos e resultados.

Selma: Ludmila está falando de algum sonho ou utopia? Não. Ela está falando de educação pública. É possível quando a gente se percebe pertencente e responsável. Cada um faz a sua parte, e unidos fazemos o todo.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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