“Os Delírios de Consumo de Becky Bloom” é uma joia da literatura dos anos 2000. Este é um livro que prende o leitor do início ao fim, graças à escrita ágil de Sophie Kinsella e à personalidade vibrante da protagonista. O coração da obra é, sem dúvida, a charmosa e caótica Rebecca “Becky” Bloomwood. Isso porque Kinsella a constrói como uma heroína imperfeita, com quem é incrivelmente fácil se identificar.
A construção da protagonista no romance Os Delírios de Consumo de Becky Bloom
Becky é uma jornalista de finanças que não consegue gerir as próprias contas, vive fugindo de seu gerente de banco e tem uma relação de amor e ódio com seu cartão de crédito e as vitrines de grife. Sua voz narrativa é o ponto alto da obra: hilária, cheia de desculpas esfarrapadas e raciocínios tortuosos que justificam mais uma compra. Assim, o leitor se pega rindo alto de suas aventuras e desventuras, enquanto torce desesperadamente para que ela consiga se controlar. E, finalmente, colocar a vida em ordem.
Além do senso de humor admirável, Sophie Kinsella equilibra a comédia romântica com temas mais sérios. A história não é apenas sobre o dilema financeiro de Becky, mas também sobre autodescoberta, a busca por um propósito e a jornada para se tornar uma pessoa mais responsável. Além disso, o romance com o carismático Luke Brandon adiciona a dose certa de doçura e tensão, sem ofuscar o foco principal: a relação de Becky consigo mesma e com suas dívidas.
Dessa forma, a obra se concentra em dar visibilidade às vivências de uma jovem mulher de classe média no mercado de trabalho., alguém que ainda não tinha encontrado espaço como protagonista na literatura antes do surgimento do chick-lit, gênero que o livro de Sophie Kinsella ajudou a fundar. O estilo da narrativa de Kinsella é lúdico ao abordar as vaidades e extravagâncias da protagonista. E amaneira um tanto quanto iludida de Becky analisar as finanças e ofertas revela ironia e deboche agudos:
O que faz Becky realmente mudar?
A jornada da personagem-título é, também, o amadurecimento do próprio livro. Afinal, Becky Bloom é uma heroína às avessas: fútil, consumista, insegura (o que a leva a mais consumo) e imatura aos 25 anos de idade. Embora tenha acabado de se formar e atue há pouco tempo no mercado de trabalho, com demandas de uma mulher mais adulta e madura, Becky ainda age como uma adolescente tardia. Tudo isso é perceptível por aspectos da narração. Afinal, a narrativa utiliza-se do bom-humor para mostrar que ações inescrupulosas da protagonista vem dessa imaturidade, ingenuidade e insegurança. E não de interesses mesquinhos.
A ácida crítica à imprensa no livro Os Delíriios de Consumo de Becky Bloom
Este chick-lit é, além disso, uma crítica ácida contra uma imprensa comprometida com as corporações e não com o cidadão comum, que seria teoricamente o motivo real da existência da imprensa livre. No romance, observamos a relação muitas vezes ambígua entre as empresas de relações públicas dos grandes bancos e grupos financeiros com os meios de comunicação. Os jornalistas, aqui, não exibem uma visão crítica dos números e balancetes que são favoráveis aos bancos. Muitas vezes, eles se limitam a copiar releases. Com isso, acabam por prejudicar, por exemplo, os aposentados que guardam suas economias nessas instituições respeitadas e não têm acesso às informações que esses jornalistas poderiam divulgar.
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Autora
Sophia Mendonça é jornalista, professora universitária e escritora. Além disso, é mestre em Comunicação, Territorialidades e Vulnerabilidades (UFMG) e doutoranda em Literatura, Cultura e Tradução (UFPel). Idealizadora da mentoria “Conexão Raiz”. Ela também ministrou aulas de “Tópicos em Produção de Texto: Crítica de Cinema “na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), junto ao professor Nísio Teixeira. Além disso, Sophia dá aulas de “Literatura Brasileira Contemporânea “na Universidade Federal de Pelotas (UfPel), com ênfase em neurodiversidade e questões de gênero.
Atualmente, Sophia é youtuber do canal “Mundo Autista”, crítica de cinema no “Portal UAI” e repórter da “Revista Autismo“. Aliás, ela atua como criadora de conteúdo desde 2009, quando estreou como crítica de cinema, colaborando com o site Cineplayers!. Também, é formada nos cursos “Teoria, Linguagem e Crítica Cinematográfica” (2020) e “A Arte do FIlme” (2018), do professor Pablo Villaça. Além disso, é autora de livros-reportagens como “Neurodivergentes” (2019), “Ikeda” (2020) e “Metamorfoses” (2023). Na ficção, escreveu obras como “Danielle, asperger” (2016) e “A Influenciadora e o Crítico” (2025).
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

