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Devaneios de uma autista em um dia sem sol

Ilustração do texto Devaneios de uma autista em um dia sem sol

Devaneios de uma autista

Devaneios de uma autista são uma constante em minha vida. Ou seja, uma imagem, um som, uma preocupação e meu cérebro já não me pertence. Perdi a conta das centenas de dissertações para o mestrado eu já poderia ter produzido. Ou, em outras palavras, dissertações produzidas e não, necessariamente, aprovadas. Por exemplo, o início deste ano, trouxe movimentação de sobra para enlouquecer o meu cérebro. Já não vejo TV. As mortes, as perdas, os estragos trazidos pelas chuvas são convite à análise histórica e política de nossas terras tupiniquins. Mesmo que de forma involuntária.

Governos Federais, Estaduais e Municipais nos devaneios de uma autista

O Brasil polarizado tenta justificar os políticos de seu polo. Esquece-se que, na defesa de presidentes que já foram, sem nunca ter sido, ou que já foram sem ser esquecidos ou, mais atual, que ainda é, sem nunca ter resolvido. Pois é, quem os defende, este ou aquele, geralmente, o faz em detrimento de toda a população. Atualmente, não se perde somente poder aquisitivo ou direito a comer carne ou tratar dos dentes. Estamos perdendo vidas, histórias, promessas futuras.

Caramba, se isso não impacta, não sei mais o que pode nos acontecer. Não, isso não é normal. Isso não é Brasil. Entretanto, isso é construção que vem de anos. Frases como mas o outro era pior. O outro fazia a mesma coisa. Frases assim só reforçam o nosso fracasso. Contudo, a tendência deveria ser a transformação e a evolução. Se não for assim, estamos TODOS errados.

Não é a maçã que está podre. É o cesto.

Atualmente, conseguimos a façanha de apodrecer o cesto. Ou seja, qualquer maçã jogada lá dentro, vai apodrecer. Dessa forma, quando essas maçãs podres saem às ruas, são tratadas como frutas de qualidade superior. Então, já deu. Assim, a população precisa deixar evidente, em qualquer ambiente, a podridão das maçãs. Não estou convidando para a Revolução das frutas, à moda de A Revolução dos Bichos, de George Orwell. Sou mais prática. Portanto, basta que tampemos nossos narizes e ouvidos para não fornecer palanque à mesmice correndo o risco de contaminação.

Devaneios de uma autista em um dia sem sol

Mas, ontem, tive de sair. Aliás, o trânsito, um caos. A chuva, uma sinfonia sem fim. Mais pessoas deitadas nos passeios molhados. Mais gente sem abrigo. Gente, ser humano. Comer virou luxo. A maior pressão sobre o orçamento doméstico ocorreu no grupo alimentação, das verduras e legumes. Convite a mais devaneios de uma autista.

Chego ao prédio de destino. A atendente me pede o documento, anota e me devolve. Carinha triste e desanimada. Mais uma vez me atrapalho na roleta e oro para conseguir fazer o que tenho de fazer. Décimo primeiro andar. A sala de espera, duas atendentes e mais gente distribuída pela sala em cadeiras salteadas. As máscaras não são suficientes para esconder o cansaço e a tristeza.

Me surpreendo orando para a esperança não nos abandonar. Sem ela, a esperança, não há mudança possível. De repente, o toque em meu ombro. Dou um salto para trás e grito. Alguém corre e explica que sou autista. Vira-se para mim e diz que já vou ser atendida. Ouço o sussurro de uma mulher mal humorada: “Não podem sair sozinhos, vivem no mundo deles.”

Viro para trás, olho diretamente para ela. Dou um suspiro e digo:

“Não, dona. Vivo neste mundo que me surpreende e entristece em estar como está. Se tivesse um mundo próprio, ele seria diferente. Mas inclusivo, mais respeitoso, mais democrático, menos cruel. Talvez, por isso, em meio a esse caos, não consigo abandonar meus devaneios. Especialmente, em mais um dia sem sol.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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