Até hoje, um feito impressionante permanece intocado no hall da fama do cinema: “O Silêncio dos Inocentes” é o único filme de terror a ter vencido o Oscar de Melhor Filme. Além disso, ele pertence a um clube exclusivíssimo de apenas três longas-metragens que levaram para casa o “Big Five”, os cinco prêmios principais: Melhor Filme, Direção, Roteiro Adaptado, Ator e Atriz. Assim, a obra de 1991 deixou uma marca indelével na sétima arte por ser um estudo profundo sobre a psique humana, o medo e a complexa dança entre predador e presa.
A Caçada e o Duelo Psicológico em O Silêncio dos Inocentes
A trama nos apresenta a Clarice Starling (Jodie Foster), uma jovem e ambiciosa estagiária do FBI. Sua missão é aterrorizante: entrevistar o Dr. Hannibal Lecter (Anthony Hopkins), um psiquiatra brilhante e canibal, para obter insights sobre um assassino em série à solta, o sádico “Buffalo Bill” (Ted Levine).
O que se desenrola a partir daí é um dos duelos psicológicos mais cativantes da história do cinema. Afinal, a dinâmica entre Starling e Lecter é o coração pulsante do filme.
- Clarice Starling: De um lado, temos Clarice, uma mulher tentando provar seu valor em um mundo dominado por homens, assombrada por traumas de infância. Jodie Foster entrega uma performance vulnerável e, ao mesmo tempo, ferozmente resiliente. Seus olhos transmitem tanto o pavor quanto a determinação, tornando-a uma heroína com a qual nos conectamos instantaneamente.
- Dr. Hannibal Lecter: Do outro lado, atrás de uma parede de vidro, está Anthony Hopkins em sua performance mais icônica. Com menos de 25 minutos em tela, ele criou um dos vilões mais aterrorizantes e carismáticos de todos os tempos. Lecter é um monstro de intelecto superior, cujas palavras cortam mais fundo que qualquer faca, interpretado com uma calma arrepiante que torna sua selvageria ainda mais chocante.
A Genialidade por Trás da Tensão
O roteiro de Ted Tally, adaptado do romance de Thomas Harris, é brilhante ao usar a caçada a Buffalo Bill como pano de fundo para o verdadeiro embate: o jogo de “toma lá, dá cá” entre Clarice e Hannibal. Então, ele oferece pistas em troca de fragmentos da alma dela. Com isso, força-a a confrontar seus demônios mais profundos em uma troca que define o amadurecimento da personagem.
A direção de Jonathan Demme é um espetáculo de sutileza. Isso porque ele utiliza closes extremos para criar uma intimidade desconfortável, nos colocando diretamente no espaço mental dos personagens. Dessa forma, a câmera frequentemente adota o ponto de vista de Clarice, nos forçando a encarar o olhar julgador e predatório dos homens ao seu redor, incluindo o de Lecter. Essa escolha não apenas amplifica a tensão, mas também transforma um filme policial em um horror psicológico de primeira linha.
A Polêmica Mal Interpretada: Buffalo Bill e a Questão de Gênero em O Silêncio dos Inocentes
Um dos pontos mais discutidos, e muitas vezes mal interpretado, do filme é a natureza do assassino Buffalo Bill. Afinal, muitos o associam erroneamente à transexualidade, criando uma ligação perversa e inexistente. No entanto, o próprio filme desfaz essa ideia.
Em um diálogo crucial, o Dr. Lecter explica a Clarice que Jame Gumb não é um verdadeiro transexual. Ele diz: “Não há evidência de que ele seja um transexual, Clarice. Ele apenas acredita que é. […] A patologia dele é mil vezes mais selvagem e aterrorizante.”
Lecter sugere que o desejo de Gumb por uma “pele” feminina não nasce de uma disforia de gênero, mas de um profundo ódio por sua própria identidade, enraizado em traumas. Então, ele não se sente uma mulher presa no corpo de um homem. Na verdade, ele despreza o corpo e a identidade que tem, buscando uma transformação violenta como forma de renascimento.
“O Silêncio dos Inocentes” está disponível no Prime Vìdeo.
Avaliação

Sophia Mendonça é jornalista, professora universitária e escritora. Além disso, é mestre em Comunicação, Territorialidades e Vulnerabilidades (UFMG) e doutoranda em Literatura, Cultura e Tradução (UfPel). Ela também ministrou aulas de “Tópicos em Produção de Texto: Crítica de Cinema “na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), junto ao professor Nísio Teixeira. Além disso, Sophia dá aulas de “Literatura Brasileira Contemporânea “na Universidade Federal de Pelotas (UfPel), com ênfase em neurodiversidade e questões de gênero.
Atualmente, Sophia é youtuber do canal “Mundo Autista”, crítica de cinema no “Portal UAI” e repórter da “Revista Autismo“. Aliás, ela atua como criadora de conteúdo desde 2009, quando estreou como crítica de cinema, colaborando com o site Cineplayers!. Também, é formada nos cursos “Teoria, Linguagem e Crítica Cinematográfica” (2020) e “A Arte do FIlme” (2018), do professor Pablo Villaça. Além disso, é autora de livros-reportagens como “Neurodivergentes” (2019), “Ikeda” (2020) e “Metamorfoses” (2023). Na ficção, escreveu obras como “Danielle, asperger” (2016) e “A Influenciadora e o Crítico” (2025).
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